“Ele foi enfeitiçado. E quando o feitiço passar, vai cair em si e voltar para mim.”. Estas palavras marcaram-me. Pensei: “Coitada, ainda está em processo de negação”. O marido contou-lhe, à queima-roupa, que decidira trocá-la por outra mulher. Foi honesto – acabou o casamento assim que se apercebeu de que estava apaixonado pela outra. Mas a franqueza dele não diminuiu a revolta. Talvez a tenha exacerbado. A angústia de tentar perceber o correra mal estava a dar com ela em doida – literalmente. Julgo que na actualidade nem se recorda de algumas das frases proferidas naquela altura. Felizmente para todos, foram capazes de reconstruir as suas vidas.
A infidelidade está amplamente difundida. Sabemos que existe. Até sabemos que se banalizou. Mas ninguém acredita que possa ser mais uma das suas vítimas. A maior parte das pessoas acredita que conhece o seu cônjuge e que “esse mal só atinge os totós”. Mentira: “esse mal” é apenas a manifestação de problemas sérios (e normalmente antigos) e pode atingir qualquer casal. Pelo meu consultório já passaram casos de todos os tipos – os que nunca discutiam, os que tinham uma vida sexual “maravilhosa”, os companheiros de décadas…
Os sentimentos por que passam são comuns – revolta, desilusão, desorientação. Depois disto, a sensação é a de que nada será como antes. Independentemente de se partir para o divórcio ou para a terapia conjugal, todas as pessoas traídas sentem que “perderam o chão” e passam por uma crise séria que atinge a sua própria identidade.
O problema é a confiança. Uma vez quebrada, será recuperável? Nos primeiros tempos, será difícil acreditar que sim. A desconfiança e o ciúme são “bichos” poderosos. Alteram o comportamento das pessoas “infectadas” – permitem-lhes arranjar esquemas para aceder ao telemóvel, às contas de email e ao extracto bancário do cônjuge traidor.
Depois vem a vergonha, o embaraço – “O que é que eu estou para aqui a fazer? Isto não é vida!”.
Tenho aprendido muito com os casais que me procuram. E acho que tenho conseguido ajudá-los. Juntos aprendemos que a confiança é recuperável, mas leva tempo. Não se reconstrói apenas com palavras, mas, principalmente, através dos comportamentos. Este é um processo de recuperação a dois, em que ambos devem ser capazes de reconhecer os erros e fazer cedências.
Na sala de terapia não há vítimas e culpados. Há casais com dificuldades. Pessoas que precisam de ajuda.
O segredo está na franqueza: sem ela, não há terapeuta conjugal que valha.
“Jura” – Carlos Tê
Jura
Que não vais ter uma aventura
Dessas que acontecem numa altura
E depois se desvanecem
Sem lembrança
Boa ou má
E por isso mesmo se esquecem
Jura
Que se tiveres uma aventura
Vais contar uma mentira
Com cuidado e com ternura
Vais fazer uma pintura
Com uma tinta qualquer
Que o ciúme é queimadura
Que faz o coração sofrer
Jura que não vais ter uma aventura
Porque eu hei-de estar sempre à altura
De saber
Que a solidão é dura
E o amor é uma fervura
Que a saudade não segura
E a razão não serena
Mas jura
Que se tiver de ser
Ao menos que valha a pena