Não sendo um dos elementos centrais das relações amorosas, a gestão financeira é uma variável relevante para a avaliação da satisfação conjugal. De um modo geral, os casais mais satisfeitos conseguem implementar modelos eficazes de gestão do orçamento familiar. Pelo contrário, os casais insatisfeitos manifestam frequentemente dificuldades em lidar com esta área da conjugalidade. Estes dados são diariamente comprovados através de Escalas de Satisfação Conjugal aplicadas a todos os casais com quem trabalho.
Os transtornos podem intensificar-se quando há grandes diferenças ao nível dos ordenados do casal, já que aos desafios comuns aos outros casais se junta, nestes casos, outro: aprender a lidar com a (grande) diferença entre o nível de vida que adviria da vida de solteiros e aquele inerente à vida familiar. Este desafio é ainda maior se houver interferência das famílias de origem.
O Pedro e a Teresa estavam casados há meia dúzia de anos quando pediram ajuda. O principal obstáculo à sua felicidade era, na altura, o mau relacionamento entre o Pedro e a família de origem da Teresa. As dificuldades cresceram lado a lado com um conjunto de equívocos de comunicação cuja origem estava na diferença de estatutos profissionais e financeiros entre os membros do casal. Apesar de essa questão nunca ter levantado problemas entre os dois, o Pedro e a Teresa não conseguiram resistir à pressão (e ao preconceito) da família.
Os pais da Teresa não encararam bem o facto de a filha ter casado com alguém com menor formação académica e com um rendimento significativamente mais baixo. E expressaram essa insatisfação através de comentários depreciativos que culminaram com uma ruptura entre o Pedro e os sogros.
Entre a espada e a parede, ou seja, forçada a gerir a tensão entre o marido e os seus próprios pais, a Teresa viveu momentos de grande angústia, que a levaram a considerar a hipótese de abandonar um dos dois empregos. A medida implicaria a diminuição do orçamento familiar mas, na sua perspectiva, traria uma vantagem: aproximá-la-ia do estatuto financeiro do marido e contribuiria para a resolução do conflito.
Os casamentos caracterizados pela supremacia financeira da mulher nem sempre acarretam dificuldades extra. No entanto, os preconceitos ainda existentes são incontornáveis. De facto, ainda que essa diferença não constitua, em si mesma, um obstáculo à satisfação conjugal, a pressão exercida pelos amigos e familiares pode envolver alguns riscos.
Cabe, naturalmente, ao casal impor limites claros para que as interferências não passem de tentativas mais ou menos infrutíferas. A definição destas fronteiras não implica (na generalidade dos casos) qualquer tipo de ruptura. Trata-se de um processo natural e saudável que inclui a definição de papéis. Do mesmo modo que não cabe aos pais escolher a pessoa por quem os filhos se apaixonam, não é a eles que compete definir estratégias de gestão do orçamento familiar.
Quanto mais os membros do casal investirem num projecto de vida a dois, em que o meu o teu e o nosso estejam bem definidos, maior a sua capacidade para lidar com os preconceitos dos outros.
Se as conversas do casal sobre a gestão financeira redundarem ciclicamente nas diferenças de ordenado e na contribuição de cada um, com acusações mútuas, é porque o casal não estará a conseguir conciliar as necessidades individuais com o projecto familiar. Argumentos como “Sou eu que pago, logo…” merecem ser questionados.
Não me canso de salientar que no amor não deve haver anulação de nenhum dos cônjuges. Hoje importa dizer que a competição e os braços-de-ferro também não podem ser vistos como parte do amor. Serão, eventualmente, a tradução de lutas de poder e compromissos pouco sólidos.