Os primeiros minutos da consulta foram marcados por uma grande negatividade da parte da Alice em relação ao marido. Habituados a situações deste género, procurámos mediar a conversa no sentido da descentração do(s) problema(s). No entanto, as tentativas para ouvir os membros do casal sobre a sua história de vida a dois foram brutalmente interrompidas pela Alice.
Esta mulher resistiu a qualquer reformulação do problema: do seu ponto de vista, o marido era um péssimo gestor, alguém que sistematicamente deixava contas por pagar e que, por isso, precisava “de ser tratado”. Recusava, portanto, qualquer participação no processo terapêutico. Estava “ali” porque pretendia esclarecer-nos acerca da “gravidade da situação”.
Convidámo-la a reflectir sobre a importância da sua presença numa terapia deste tipo, explicámos-lhe que, a haver mudanças na gestão financeira DO CASAL, elas ocorreriam mais facilmente se AMBOS identificassem os seus erros e AMBOS assumissem uma atitude de auto-responsabilização.
Resposta: “Eu SÓ preciso que LHE mostrem que está errado e que [ELE] precisa de mudar”. Rejeitou outra visão, nomeadamente qualquer uma que incluísse reflexões sobre a aplicação do dinheiro em falta. Na verdade, pouco importava que grandes quantias fossem usadas para alguns luxos da família. Nem tão pouco se interessou em deter-se sobre o seu papel aquando desses gastos.
Como o nosso formato terapêutico não dava resposta às necessidades “do casal”, não houve segunda consulta.
“É impossível mudar o outro” ou “O cúmulo da sapiência é aceitar o outro como ele é” são duas afirmações que repito sistematicamente em contexto terapêutico. Desconheço a origem da primeira, mas a segunda tem direitos de autor: li-a numa entrevista ao Professor José Gameiro e nunca mais a esqueci.
Para alguns leitores, estas afirmações podem até parecer contraditórias com a própria terapia conjugal. Mas não são. Ninguém deverá encarar um processo terapêutico como uma oportunidade para conseguir que o seu cônjuge mude no sentido da “listinha” de exigências armazenada pelo próprio.
A terapia conjugal é caracterizada por mudanças, mas estas podem ser bastante mais complexas. É suposto que o(s) terapeuta(s) sejam capazes, entre outras coisas, de:
♥ promover a reflexão acerca das dificuldades;
♥ alargar o leque de perspectivas sobre o(s) problema(s);
♥ promover a auto-responsabilização;
♥ promover a manifestação clara e honesta de necessidades, pensamentos e emoções;
♥ promover a operacionalização e a ocorrência das mudanças desejadas pelos membros do casal.
Qualquer mudança deve ocorrer porque os membros do casal aprenderam a olhar para o problema ou para as necessidades do cônjuge de maneira diferente e não porque “o especialista” considera que é útil fazê-lo. No limite, a mudança terapêutica pode limitar-se a alterações na forma como cada cônjuge “olha” para o comportamento do outro. Por isso, um pedido de ajuda nem sempre dá origem a mudanças “estruturais”. Compreender a pessoa amada, perceber os “porquês” do seu comportamento e as suas vulnerabilidades é meio caminho andado para que a aceitemos melhor. O que também não quer dizer que devamos baixar os braços e ser menos exigentes em relação amor!
9.9.06
É IMPOSSÍVEL MUDAR O OUTRO
O Francisco telefonou-nos para marcar uma consulta de terapia conjugal. Explicou, enquanto fornecia os dados, que temia a resistência da mulher, Alice. Afinal, esta não era a primeira vez que pediam ajuda.
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Conjugalidade