Sr.ª A: Está casada há muito tempo?
Sr.ª B: Há 15 anos.
Sr.ª A: E tem filhos?
Sr.ª B (voltando-se para mim): Eu não lhe disse?...
Sr.ª B: Há 15 anos.
Sr.ª A: E tem filhos?
Sr.ª B (voltando-se para mim): Eu não lhe disse?...
Alguns minutos antes do episódio descrito acima a Sr.ª B partilhava comigo uma ideia baseada na sua experiência pessoal e profissional (enquanto jurista na área do Direito da Família), segundo a qual a existência de filhos constitui um factor que contribui para o divórcio. Aos seus olhos, a pergunta da Sr.ª A não era “inocente”. Seria, isso sim, um reflexo da descrença no binómio “casamento feliz” – “existência de filhos”.
Não conheço a história de vida da Sr.ª A, nem sei se a inexistência de filhos é fruto de uma escolha ou de uma impossibilidade, mas não posso concordar com uma teoria tão simplista e redutora.
Não encontro na literatura da especialidade nem na minha experiência terapêutica (de meia dúzia de anos) qualquer indicador de que os casais sem filhos sejam mais felizes do que os outros. E apesar de o nascimento do primeiro filho constituir uma viragem importante no ciclo de vida das famílias, não posso anuir com a ideia de que poucos casais resistam a este desafio.
O facto de lidar maioritariamente com casais “em crise” não faz de mim uma pessoa alienada da realidade nem tão pouco uma pessimista em relação às questões da conjugalidade. Pelo contrário!
Tenho chamado a atenção (também) neste blogue para a necessidade de o papel parental não substituir o papel conjugal, sob pena de isso representar o início do afastamento entre os cônjuges. De facto, a chegada das crianças “abala”, em muitos casos, a estabilidade familiar. Tal como noutras fases do ciclo de vida, há necessidade de implementar mudanças, de fazer cedências, mas isso não representa, forçosamente, uma crise.
Os casais com filhos pequenos sabem o quão difícil pode ser levar a cabo actividades simples – para os solteiros e para os casais sem filhos – como ir ao cinema todas as semanas ou dar uma escapadinha para namorar. Mas isso não significa que os filhos representem um decréscimo de bem-estar na vida destas pessoas. Quem reconhece a importância de continuar a alimentar o amor romântico acaba por encontrar formas mais ou menos criativas de preencher certas lacunas.
Para os mais criativos, mais esforçados, ou simplesmente mais atentos, os filhos são genuinamente um prolongamento do amor inicial, uma parte fundamental do seu projecto de vida. Não negam os “contras”, mas também não permitem que estes apaguem os “prós”.