Há uns dias fui convidada a colaborar na elaboração de uma reportagem a propósito de um estudo desenvolvido pela linguista Deborah Cameron, que desmistificava a ideia de que há diferenças linguísticas profundas entre mulheres e homens. O trabalho da investigadora abalou a ideia desenvolvida há alguns anos, a partir do livro de John Gray, de que as diferenças de género são as principais responsáveis pelos problemas de comunicação conjugais.
Não conheço a autora nem o livro agora editado. De qualquer modo, a ideia amplamente difundida de que "Os Homens são de Marte e as Mulheres de Vénus" tem sido desmistificada, principalmente por profissionais associados à área comportamental. Claro que esta bipolarização, enraizada em larga medida a partir do livro de John Gray, é muito mais apelativa e tende a "desculpar" alguns comportamentos. O próprio autor, numa tentativa de enquadrar todos os padrões comportamentais na sua teoria, acaba por referir que algumas mulheres adoptam comportamentos mais masculinos e que o comportamento de alguns homens está mais próximo do género feminino.
Qualquer psicólogo com experiência em Terapia Conjugal sabe que os padrões identificados por John Gray são, na grande maioria, mitos. Assim, e apesar de o trabalho de Deborah Cameron versar essencialmente a Linguística, tenho que concordar com as ideias gerais descritas.
Os problemas de comunicação entre homens e mulheres não advêm exclusivamente das diferenças de género. Os casais que estão juntos há muito tempo e que se sentem felizes com a relação conjugal adquiriram ao longo do tempo competências importantes ao nível da comunicação. Uma dessas competências passa por conhecer as vulnerabilidades do cônjuge e tê-las em consideração aquando dos conflitos. Neste caso, contempla-se as diferenças interindividuais mais do que os estereótipos homem-mulher.
Claro que há alguns padrões comportamentais associados às diferenças de género, baseados na média da população. Mas mesmo estes contemplam excepções. Por exemplo, quando as discussões são muito intensas e sistemáticas, é muito frequente assistir-se a um ciclo vicioso em que um dos membros do casal procura estender a discussão até que "o problema" esteja resolvido; enquanto isso, o outro cônjuge encara a própria discussão (e a insistência do companheiro) como uma forma de eternizar o problema. Muitas vezes, para este último as discussões passam a ser "o problema", pelo que foge delas. A minha experiência com casais permite-me afirmar que são as mulheres que mais frequentemente insistem em prolongar a conversa (ou discussão) e que são os homens que mais frequentemente "fogem" à escalada, mas ao longo dos anos tenho-me deparado com muitas situações em que os papeis se invertem. Posso, por isso, assegurar que a angústia é idêntica nos dois casos.
Um dos factores que mais se associa a este padrão está relacionado com a activação fisiológica. Numa discussão - mais uma vez em termos médios - os homens tendem a responder fisiologicamente à tensão de um modo mais intenso: sentem-se mais agitados, a pulsação acelera, suam, etc. É dessa activação fisiológica que resulta muitas vezes a necessidade de fuga.
Por outro lado, as mulheres são, desde tenra idade, educadas no sentido de explorarem e exteriorizarem as suas emoções, enquanto os homens são, também desde meninos, educados no sentido inverso. Há construções sociais que influenciam o nosso comportamento de uma forma quase imperceptível. Por exemplo, se uma jovem rapariga se comover com uma determinada história - real ou ficcionada - é vista como uma pessoa sensível, empática; se se tratar de um jovem rapaz, é provável que este seja rotulado de melodramático, efeminado ou até pouco viril. Claro que estes conceitos também estão cada vez menos enraizados e, portanto, os estereótipos tendem a dissipar-se, mas ainda há um longo caminho a percorrer.
Se se respeitar as diferenças interindividuais e as vulnerabilidades de cada um, a comunicação tende a ser mais eficaz. Além disso, é importante que homens e mulheres interiorizem algumas regras fundamentais de que já aqui tenho falado:
- A exposição clara e honesta (assertiva) das necessidades, opiniões e sentimentos continua a ser a forma mais eficaz para que nos sintamos (homens e mulheres) compreendidos;
- O diálogo franco não deve implicar agressividade nem violência (física ou verbal);
- É importante respeitar o "timing" de cada um - às vezes, uma pausa na discussão impede que a escalada progrida. Se um dos membros do casal se sentir demasiado tenso ou acelerado, é saudável interromper a conversa para que ambos possam "esfriar" a cabeça;
- Expor sentimentos não deve ser confundido com críticas ferozes nem ataques pessoais. Se um dos membros do casal proferir um conjunto de frases iniciadas por "Tu..." ou "Eu acho que tu..." dificilmente estará a centrar a atenção nas suas necessidades ou emoções;
- Perante a sensação de estar a ser atacado, é expectável que o outro "fuja" da discussão;
- É importante que quem deseja interromper a conversa assegure ao outro que o assunto não será esquecido e que poderão voltar a conversar noutra altura.
Do mesmo modo que há homens que consideram que as mulheres são "demasiado complicadas", também há mulheres para quem os homens são um autêntico mistério. No entanto, quando ambos se esforçam por ser empáticos e procuram colocar-se na posição do outro, a comunicação flui melhor.