As famílias reconstituídas enfrentam, como já tive oportunidade de referir aqui, mais dificuldades do que os casais que se juntam pela primeira vez. Dada a complexidade das relações, estas famílias podem precisar de quatro a sete anos para se adaptarem. Trata-se, portanto, de um processo gradual e que envolve algumas dificuldades específicas. Assim, um dos requisitos para que estas famílias alcancem a estabilidade emocional consiste em reconhecer que estas dificuldades são “normais” e devem ser encaradas como desafios. Pelo contrário, se um casal ignorar as especificidades do seu novo modelo familiar, e fizer comparações entre a sua família e as famílias nucleares características dos primeiros casamentos, tenderá a sentir-se frustrado e incapaz de resolver os problemas.
É possível até falar-se num ciclo de vida próprio destas famílias:
O PRIMEIRO ANO (OU ANO E MEIO)
Constitui o período mais crítico dos segundos casamentos – cerca de 25% dos casais separam-se nesta altura. Num segundo casamento os membros do casal não estão sozinhos, pelo que a adaptação é mais complexa. Algumas pessoas sentem-se mesmo impotentes para enfrentar tantas mudanças ao mesmo tempo. No entanto, é possível encarar estes desafios de forma positiva: quanto mais unidos os membros do novo casal estiverem, mais facilmente enfrentarão os problemas. Além disso, a resolução de cada dificuldade tenderá a reforçar os laços e a família reconstituída sentir-se-á cada vez mais integrada.
Um dos desafios desta fase consiste em lutar contra as expectativas irrealistas – se o casal estiver à espera de formar uma família igual às famílias nucleares (primeiro casamento), é natural que surjam frustrações. As famílias reconstituídas enfrentam problemas específicos e é preciso reconhecê-lo.
Esta fase também é propícia ao aparecimento de situações delicadas, em que o cônjuge que tem filhos é pressionado no sentido de tomar partido nas discussões entre o novo companheiro e os filhos. O casal deve desenvolver, no dia-a-dia, formas eficazes de comunicar e gerir os limites de actuação entre o cônjuge que não tem filhos e os enteados.
OS TRÊS A CINCO ANOS SEGUINTES
Este período corresponde à consolidação dos hábitos familiares. É natural que, nesta altura, pais, filhos e enteados se sintam mais confortáveis nos seus papéis. A estabilidade conjugal é muito importante para as crianças, permitindo que elas se adaptem às novas figuras familiares – padrasto e madrasta. Tal como acontece num ciclo virtuoso, a adaptação das crianças fortalece a relação conjugal, dissipando quaisquer receios. Nos casais felizes este período corresponde à sensação de pertença a uma família com características diferentes das famílias nucleares mas, ainda assim, muito funcional. Nesta fase o casal também consolida as fronteiras com os “ex”, pelo que a cordialidade tende a sobrepor-se ao conflito. O casal sente-se, nesta altura, preparado para pensar em ter mais filhos.
A PARTIR DOS CINCO ANOS
Na maior parte dos casos, esta fase corresponde à adolescência dos filhos do primeiro casamento, pelo que o casal enfrenta novos desafios.
Como se sabe, a adolescência é propícia à tentativa de romper com os limites impostos pelos pais. Estando os progenitores a viver em casas separadas, pode acontecer que o adolescente tente usufruir da falta de coordenação entre os dois lados para conseguir os seus objectivos. Por exemplo, saídas à noite ou o incumprimento de castigos ficam facilitados se não houver boa comunicação entre os pais. A autoridade do padrasto e da madrasta pode ser posta à prova. Expressões do tipo “Tu não és o meu pai” são utilizadas frequentemente para fugir às regras. Os adultos que compõem os dois lares do adolescente precisam, por isso, de apostar na coerência das regras.
Além disso, as mudanças corporais e a descoberta da sexualidade podem levar a um afastamento entre padrastos e enteadas – ambos tendem a sentir-se menos confortáveis em relação ao contacto físico existente até aí. O ex-marido também pode influenciar este comportamento, manifestando o seu desagrado.
Apesar destas dificuldades, é provável que os laços do casal estejam, nesta altura, suficientemente fortes para sustentar estratégias de resolução de problemas eficazes. Ou seja, nesta altura os adultos deixam de se sentir pressionados pelos receios de ferir os filhos e aceitam que o bem-estar de todos também depende do bem-estar conjugal. A satisfação e a estabilidade conjugal atingem, nesta altura, o seu ponto alto.