Uma parte substancial das situações clínicas que acompanho corresponde a pedidos de ajuda relacionados com problemas conjugais. Não trabalho exclusivamente com casais, mas a terapia conjugal (e a terapia individual centrada nesta área da vida) ocupa um lugar central no meu dia-a-dia clínico. Independentemente da natureza das dificuldades que possa estar na origem do pedido de ajuda, há uma questão que aparece quase sempre no topo das minhas preocupações: o impacto dos problemas na estabilidade emocional dos filhos, particularmente se se tratar de crianças. Às vezes são os próprios pais que manifestam a sua preocupação, mesmo que não haja alterações no comportamento dos filhos. A percepção de que uma crise conjugal é avassaladora leva-os a presumir que, por muito que se esforcem por ocultar as discussões, as crianças estarão a sofrer. Nos outros casos sou eu que trago o assunto para a terapia. Compete-me tentar perceber, a partir das descrições dos adultos, até que ponto será útil propor uma avaliação ao estado emocional das crianças, já que elas são, indiscutivelmente, o elo mais fraco da família. Por maior que seja o seu sofrimento, por maiores que sejam as suas dúvidas, as crianças dependem dos seus educadores para que haja o reconhecimento de que precisam de ajuda. Acontece que uma crise conjugal pode obscurecer a percepção dos pais – emaranhados nos problemas do seu casamento, nem sempre são capazes de identificar os sinais de alarme. Além disso, as crianças podem esforçar-se activamente para manter um comportamento exemplar, numa tentativa hercúlea de proteger os pais de mais uma fonte de problemas.
Se existir algum transtorno depressivo ou ansioso em pelo menos um dos membros do casal, torna-se ainda mais pertinente o despiste de dificuldades específicas das crianças. Ouvi-las em contexto terapêutico pode ser útil quer em termos de resposta às dificuldades existentes, quer em termos preventivos.
É conhecida a relação entre a existência de um transtorno depressivo ou ansioso e a estabilidade emocional das crianças. No entanto, esta avaliação pode enfrentar um problema perigoso: o estigma. Para alguns adultos a ideia de verem os seus filhos num consultório de Psicologia é aterradora. Não sendo propriamente fácil lidar com o facto de eles próprios precisarem de ajuda especializada, é-lhes ainda mais difícil encarar a possibilidade de esta ajuda ter de ser extensível às crianças. Condicionados por rótulos sem sentido e por ideias mais ou menos preconceituosas, podem levar esta resistência ao limite, o que potencia o risco a que as crianças estão expostas. Comparo esta relutância ao medo irracional que faz com que alguns adultos fujam dos hospitais – acreditam que, se forem consultados por um médico, aumenta a probabilidade de se “encontrar” alguma doença e, por isso, passam anos sem qualquer acompanhamento. Escusado será dizer que se arriscam a pedir ajuda tarde de mais.
Um estudo recente sobre o impacto dos transtornos ansiosos dos adultos na vida dos seus filhos mostra a importância de um olhar atento aos membros mais novos da família. A pesquisa mostra que os filhos de adultos a quem tenha sido diagnosticado um transtorno ansioso têm uma probabilidade de sofrer também desse tipo de perturbações sete vezes maior à das outras crianças. O atraso no reconhecimento do problema pode levar a estados depressivos, abuso de susbstâncias e diminuição do rendimento académico.
A intervenção terapêutica, centrada na ajuda aos pais no sentido de melhor identificarem (e mudarem) os comportamentos que possam estar na origem da ansiedade das crianças e na promoção de competências que permitam que as crianças lidem melhor com os problemas e aprendam a resolvê-los, permite reduzir o aparecimento de sintomas. Resumidamente, importará que os pais sejam capazes de alterar comportamentos relacionados com protecção excessiva, hipercriticismo e expressão exagerada de medo e ansiedade à frente das crianças.