A Ana e a Vera estão ambas na casa dos trinta anos e vivem desde o nascimento com defeitos físicos que, não sendo incapacitantes, as impedem de gostar totalmente do seu corpo.
O problema da Ana, com origem nas suas costelas, manifesta-se na dimensão do peito – tem uma mama maior do que a outra, o que é perceptível com a maior parte das roupas que usa. Paralelamente, tem os mamilos invertidos, ou seja, voltados para dentro (e não para fora, como seria normal). Apesar destas limitações, a palavra “complexos” não faz parte do seu léxico. Como refere, os pais “nunca permitiram” que os tivesse, incentivando-a sempre a aceitar o seu corpo, sem constrangimentos, sem medo do que os outros pudessem pensar. Daí que não sentisse qualquer pudor em ir à praia, chegando mesmo a fazer topless. Só este ano, incentivada por amigos que conheciam o problema, decidiu pedir ajuda médica para que, através de uma cirurgia, possa corrigir o problema com que nasceu.
A Vera cresceu com um “buraco” na anca, que tem tentado corrigir através das múltiplas intervenções cirúrgicas a que se submeteu ao longo dos últimos anos. A cada tratamento cresce a esperança, mas também a frustração. As fotografias ilustram bem a evolução clínica da cavidade, mas o olhar da Vera está muito distorcido. Exacerba o problema, permitindo que este comande a sua vida, os seus movimentos, as suas relações. Chora quando pensa na possibilidade de vestir um biquíni e enfrentar uma praia cheia de veraneantes – “sabe” que a maior parte das pessoas olhará para ela e sentirá pena. E de pouco adiantarão argumentos que desfaçam esta teoria. Não é capaz de se despir à frente do marido, apesar do apoio que lhe reconhece, o que implica que a sua intimidade conjugal (física e emocional) esteja francamente comprometida. Apesar de não ter sido ridicularizada pela família de origem, também não se recorda de quaisquer manifestações verbais que pudessem alimentar a sua auto-estima.
Todos nós temos algum defeito físico que gostaríamos de corrigir. Mas, mesmo que ganhemos coragem e nos submetamos a um procedimento médico, isso não quer dizer que nos sintamos inferiorizados, nem tão-pouco, condicionados pela respectiva imperfeição. Contudo, existem algumas pessoas, normalmente com baixa auto-estima, para quem é impossível viver harmoniosamente com tais defeitos. Como a resposta emocional não é directamente proporcional à limitação física, não são os tratamentos médicos ou estéticos que resolvem o problema. Daí que, não raras vezes, depois de uma cirurgia, se mantenha a angústia e a vontade de mudar, ainda que não se saiba bem o quê.
Como os níveis de auto-estima estão relacionados com os transtornos depressivos, pode acontecer que a centração num problema físico não seja mais do que a face visível de uma perturbação emocional.