Ao longo dos anos que levo a trabalhar em terapia conjugal aprendi a olhar para as especificidades de cada casal – porque cada relação é única, especial, e o percurso de vida de duas pessoas nunca é igual ao de outros casais, mesmo que existam obstáculos semelhantes. Mas isso não quer dizer que não procure identificar padrões comportamentais, quer os mais disfuncionais, quer os mais saudáveis. Desde logo porque quando os membros de um casal são ajudados a identificar padrões comportamentais que possam estar a minar a sua comunicação têm também a oportunidade de definir de forma mais clara e objectiva as mudanças necessárias ao restabelecimento da harmonia conjugal. Não se trata de um processo simples e, nalguns casos, pode ser preciso algum tempo até que surjam mudanças significativas, mas é, sem dúvida, um passo essencial nestes processos psicoterapêuticos.
Salvo raríssimas excepções, os casais que recorrem à terapia conjugal aparecem cansados, saturados das discussões recorrentes e, não raras vezes, com pouca esperança de que os conflitos possam ser resolvidos. De resto, quando os problemas no casamento se arrastam ao longo de muito tempo, todo o nosso bem-estar fica comprometido, pelo que é natural que muitas destas pessoas venham sobretudo em busca de alguma paz. Isso não quer dizer que não reconheçam a importância do conflito – como tenho dito com alguma frequência, o conflito não é, em si mesmo, prejudicial a uma relação amorosa. Mais: o conflito faz parte de qualquer relação íntima e a generalidade dos casais é capaz de o reconhecer. Os problemas tornam-se exponencialmente mais sérios quando as discussões, mais relevantes ou sem sentido, tomam conta do quotidiano do casal. Nos casamentos felizes, por cada interacção negativa existem normalmente cinco conversas positivas; nos casamentos em crise as interacções negativas suplantam as trocas positivas.
Nem todos os problemas são resolúveis e os casais felizes que estão juntos há décadas sabem disso. Muitas vezes, o “segredo” não está em resolver todos os conflitos, e muito menos em esmiuçar os problemas até à exaustão, mas antes em aprender a geri-los de modo a que não se tornem mais importantes do que o próprio relacionamento. É isso mesmo: quando uma discussão escala para níveis de agressividade que colocam em causa a estabilidade da relação, o melhor a fazer é, como diz o povo, “colocar alguma água na fervura”, isto é, interromper a escalada e, porventura, voltar ao tema noutra altura.
Independentemente desta competência, é importante, como referi antes, conhecer cada um dos membros do casal, já que a personalidade de cada um acaba por reflectir-se na forma como encaram as discussões. É possível identificar diferentes estilos de gestão do conflito:
• Evitação. As pessoas que se comportam como evitadoras de conflito procuram minimizar os problemas tanto quanto for possível. Consideram que há poucas vantagens em exteriorizar abertamente a raiva e que os problemas acabarão por resolver-se se cada um dos membros do casal adoptar uma postura mais descontraída.
• Validação. As pessoas que se esforçam por adoptar uma postura validadora procuram ter a certeza de que ambos os lados se sintam ouvidos e que as duas opiniões sejam tomadas em consideração. Acreditam que a calma e o auto-controlo são essenciais à gestão dos conflitos. Procuram validar as emoções do outro e esforçam-se por encontrar compromissos (acordos).
• Volatilidade. As pessoas com uma postura volátil discutem geralmente de forma intensa, apaixonada até, falam mais alto e mais energicamente. Não fogem de uma discussão acesa e acreditam que as diferenças devem ser resolvidas através da exteriorização clara do que cada um pensa / sente. A intensidade das discussões é normalmente compensada pela expressão clara dos afectos.
• Hostilidade. Este é o único estilo disfuncional. As pessoas que adoptam uma postura hostil podem ser descritas como destrutivas. Tentam deitar a outra pessoa abaixo ao longo da discussão e às vezes “amuam” gerando longos períodos em que o outro é colocado numa espécie de isolamento. É muito difícil recuperar de um conflito marcado pela hostilidade sem ajuda externa. Este padrão comportamental pode deixar marcas profundas.
Dentro da gestão funcional do conflito o pior emparelhamento é o da evitação-volatilidade. Um em cada dez casamentos é marcado pela incompatibilidade entre um evitador e um volátil. Muitos casais nesta situação caem na armadilha de interpretar de forma errada as intenções do cônjuge. As tentativas sinceras de um para resolver os conflitos e restaurar a harmonia podem ser entendidas como provas de que se quer espicaçar. Uma das “armas” para lidar com esta situação é esperar até que aquilo a que vulgarmente chamo de inundação emocional (estado de activação fisiológica intenso provocado pela discussão) passe e só depois fazer alguma tentativa para resolver o problema.
Existem várias formas de emparelhamento que promovem a estabilidade da relação. O segredo é a existência de pelo menos um validador na relação. E esta é uma competência social que pode ser desenvolvida. Quando os membros do casal se esforçam para que ambos se sintam compreendidos e para que as duas perspectivas sejam consideradas, há uma probabilidade maior de se criar uma ligação positiva em torno do conflito.