Como rotulamos habitualmente aqueles que trabalham várias horas seguidas, sem que isso resulte apenas da necessidade de sobrevivência ou da imposição de um chefe ambicioso e insensível? Workaholics, claro. E se, de repente, alguém que nos habituámos a descrever como tal nos dissesse “Eu não sou workaholic, sou worklover”? Será uma piada? Ou uma forma de escapar à conotação negativa dos viciados no trabalho? Ou, pelo contrário, podemos efectivamente considerar que existe uma nova categoria de trabalhadores que, apesar de dedicar muito tempo à sua actividade profissional, não se encaixa no perfil de um workaholic? A discussão é relativamente recente e, para já, as conclusões não são consensuais.
Partamos do conceito de workaholic: ser viciado no trabalho não é apenas passar muito tempo a laborar. Estas pessoas são normalmente descritas como trabalhadores que dificilmente conseguem tirar férias ou usufruir de momentos de lazer porque não conseguem desvincular-se dos problemas e das preocupações associados à sua actividade. São aparentemente dependentes do trabalho e, ainda que do desempenho das suas funções possam depender decisões importantes, é raro ver-lhes um sorriso de satisfação ou qualquer expressão que indicie a realização profissional. Vemo-los sistematicamente tensos, ansiosos, escudando-se sob a capa das responsabilidades que assumiram. Os familiares e amigos expressam muitas vezes a sua preocupação, já que estas pessoas podem passar horas a trabalhar, descurando o sono, a alimentação e, claro, as relações afectivas. O sofrimento e a angústia são negados muitas vezes em função das viagens em família que servem de “prova” de que não se trata de uma adição. Muitas vezes ouvi, em sede de terapia conversas como esta:
- Se eu fosse viciado em trabalho, como poderíamos ter feito três viagens no ano passado? Não te lembras? Viajámos na Páscoa, no Verão e no Natal!
- Sim, mas tu estiveste sempre agarrado ao Blackberry… No Verão deixavas-nos na piscina e fugias para o quarto de hotel onde passavas horas em videoconferências. Isso, para mim, não são férias!
Os (muitas vezes auto-denominados) worklovers são pessoas apaixonadas pelo seu trabalho, que expressam com frequência a sua satisfação. Passam muitas horas a trabalhar e fazem-no com rigor, mas não são caracterizados como perfeccionistas permanentemente insatisfeitos. Há alturas em que aparentam algum sofrimento, fruto da sobrecarga horária sobretudo, mas estes períodos são “compensados” por momentos claros de lazer, em que o contacto com a actividade profissional é suspenso sem dramas. Estas pessoas sentem-se realizadas porque acreditam que o seu investimento profissional é importante para melhorar a vida de outras pessoas, como acontece, por exemplo, entre muitos profissionais da classe médica.
Outra das características associadas ao conceito de worklover diz respeito à capacidade de experimentar o prazer e a socialização, mesmo em contexto profissional – ao contrário do que acontece normalmente com os workaholics, os worklovers divertem-se enquanto trabalham, socializam com a equipa de trabalho e/ ou com os clientes dos serviços em que estão inseridos e estão mais atentos à suas necessidades e disponíveis para atender às necessidades daqueles de quem gostam.
Mas se é verdade que um worklover é capaz de encarar o trabalho como uma fonte de prazer, aquilo que tantas vezes se observa é também alguma dificuldade em avaliar de forma objectiva o sofrimento inerente ao seu esforço. Afinal, e apesar de se tratarem normalmente de profissionais com maior flexibilidade e autonomia (até para gerir a sua agenda), para que os bons resultados sejam atingidos, estes trabalhadores têm muitas vezes de abdicar de momentos relevantes em família, enfrentam horários desgastantes e podem estar sujeitos a mudanças de última hora.
Assim, aquilo que acontece nalguns destes casos é que ainda que o próprio se veja a si mesmo como um worklover, os familiares mais próximos tendem a rotulá-lo de workaholic. Mas, como referi antes, a discussão está só no início.