Se é verdade que trabalho diariamente com pessoas cujo casamento está em crise, também é certo que destes anos de prática clínica e da investigação com casais satisfeitos resulta alguma aprendizagem sobre aquilo que as relações felizes e duradouras têm em comum.
Como tenho referido inúmeras vezes, não existem casamentos perfeitos, tal como não existem pessoas perfeitas. Podemos sonhar com um companheiro perfeito, mas agarrarmo-nos a essa idealização é o primeiro passo para a intolerância e para a frustração. Aceitar o outro tal como ele é não é desistir; é reconhecer que as mudanças podem ocorrer, mas não podemos reivindicar uma reestruturação de personalidade.
Os casamentos felizes podem resumir-se a relações marcadas por níveis elevados de intimidade emocional e esta depende, dentre outros factores, da intimidade sexual. Muita coisa muda com a passagem do tempo, inclusive o desejo sexual que sentimos pela pessoa que amamos. A aceleração dos primeiros anos de namoro não está presente ao fim de 10 ou 15 anos de casamento. Mas isso não quer dizer que deixe de haver desejo ou atracção física. De resto, as pessoas que se sentem satisfeitas com a sua relação conjugal assumem frequentemente que continuam a sentir-se atraídas pelo cônjuge. Quando a comunicação não é clara e honesta e os membros do casal não são capazes de falar abertamente sobre o que lhes (des)agrada, não é só a intimidade sexual que pode ficar comprometida. Queixarmo-nos da aparência do nosso cônjuge e/ou ouvirmos queixas a propósito das mudanças por que o nosso corpo passou não é fácil, mas pode ser importante para que continuemos a sentir-nos seguros e felizes.
Outra “marca” dos casais felizes diz respeito ao lazer e ao divertimento. Independentemente dos recursos financeiros, da classe social ou do nível cultural de cada casal, a capacidade de se divertirem a dois, de realizarem actividades que lhes permitam descontrair de forma cúmplice é fundamental. É importante desfazer o mito de que os casais felizes fazem tudo juntos, como se se tratassem de almas gémeas. A individualidade de cada um é tão importante quanto a manutenção de rituais que contribuam para a existência de interacções claramente positivas. Nalguns casos isso implica que os membros do casal vão ao ginásio juntos; noutros casos, implica que partilhem o gosto pelo cinema ou pela música. Curiosamente, a partilha de alguma actividade física parece ter uma influência particularmente positiva.
Se nos centrarmos no comportamento público destes casais, aquilo que provavelmente salta à vista como elemento comum e que traduz o nível de intimidade emocional é a capacidade para estabelecer contacto visual com muita frequência. Mostramos que o outro é importante para nós, que lhe prestamos muita atenção, quando somos capazes de olhar para ele(a) até nas situações mais banais, como quando nos pergunta, no meio do supermercado, se ainda há açúcar em casa. Já aqui mencionei a importância dos gestos que traduzem afecto, mas nem todos os casais andam sistematicamente a trocar afagos em público. Claro que a maior parte o faz. Mas aquilo que sobressai é mesmo o contacto visual.
Se os casais insatisfeitos se queixam regularmente da rotina e da monotonia, os casais satisfeitos procuram quase sempre fazer descobertas a dois. A ideia de projectar uma viagem ou planear a ida a um concerto é entusiasmante e constitui quase sempre uma forma de alimentar a relação. Nem todos os casais têm recursos para ir de férias para o outro lado do mundo, mas isso não quer dizer que não alimentem a cumplicidade da aventura. Os problemas por que cada casal passa são, de um modo geral, comuns a outros casais na mesma fase do ciclo de vida. E os casais felizes também têm problemas. Mas aprendem a delegar, aprendem a negociar, aprendem a sonhar a dois.
Finalmente, mas não menos importante, tenho de mencionar a capacidade para assumirmos as nossas vulnerabilidades e permitirmos que o nosso cônjuge nos conforte, nos ampare. É tão mais fácil mostrarmo-nos zangados! Mas quando nos zangamos, mostramo-nos fortes, cheios de energia. E não raras vezes aquilo que queremos transmitir é “Preciso de ti”. Os casais mais felizes são capazes de se apoiar mutuamente porque reconhecem a importância do pedido de conforto. Pedem colo de forma muito clara e sentem-se afortunados por poderem proteger o cônjuge.