Uma das questões com que sou confrontada frequentemente em sede de terapia de casal diz respeito à possibilidade de mudança. Se é verdade que quase todas as pessoas encaram um processo terapêutico desta natureza como uma forma de conseguir que o cônjuge mude alguma coisa, também é certo que os anos de vida em comum trazem alguma desesperança em relação às capacidades do cônjuge. Oiço frequentemente questões como “Valerá a pena investir na terapia conjugal se ninguém muda de personalidade?” Ou “Ele(a) não vai mudar, pois não?”. Já aqui falei sobre isso – é impossível mudar o cônjuge, mas qualquer pessoa é capaz de implementar mudanças no sentido de salvar a sua relação. A pessoa de quem gostamos não deve ser forçada a mudar de personalidade em função das nossas exigências – até porque nenhum de nós suportaria ser confrontado com tamanha reivindicação.
E se um casal reconhecer que se ama mas for incapaz de chegar a um consenso? E quando as discussões tomam conta do quotidiano de duas pessoas que assumem que gostam muito uma da outra? Alguém tem de ceder? Quem tem razão? Quem deve mudar? E o que deve/ pode ser alterado? Como qualquer profissional desta área reconhecerá, na generalidade dos casos os problemas dos casais que recorrem à ajuda especializada podem ser analisados sob uma perspectiva diferente daquela que é inicialmente apresentada. O facto de um casal relatar a crise por detrás deste pedido de ajuda sob a forma de um braço-de-ferro não significa que esse seja o padrão que mereça vigorar. Pelo contrário, ao terapeuta conjugal compete ajudar aquelas pessoas a reconhecer que, porventura, existirão dificuldades de comunicação que poderão estar a impedi-los de olhar para “o problema” da forma certa. E qual é a forma certa? Aquela que permita reconhecer as necessidades de cada um dos membros do casal, as emoções por detrás dos momentos de tensão. A ira é o sentimento que comummente mostramos quando nos frustramos e discutimos com a pessoa que amamos, mas a ira é, de um modo geral, apenas a ponta do icebergue.
Quando nos sentimos inseguros, quando achamos que o nosso companheiro não está a colocar-nos em primeiro lugar, desesperamos. Ora, esse desespero é muitas vezes evidenciado sob a forma de críticas, acusações, birras. Se a situação for pontual, o nosso cônjuge verá além da birra e confortar-nos-á; mas se as inseguranças forem regulares, instalar-se-á facilmente um ciclo vicioso em que há um que desesperadamente tenta chamar a atenção (ainda que de forma errada) e outro que vigorosamente procura acalmar o ambiente (fugindo á discussão ou ignorando o cônjuge).
Todas as relações afectivas e particularmente as relações amorosas incluem questões básicas como “Precisas de mim?”, “Sou importante para ti?” e “Posso contar contigo/ confiar em ti?”. Para que nos sintamos seguros precisamos de saber que a pessoa que amamos recorre a nós, depende de nós em termos afectivos, mostra-nos regularmente e de forma clara que somos especiais e que podemos confiar nela. Quando algum destes pilares se fragiliza, sentimos medo, reclamamos (tantas vezes da pior maneira) e, à medida que o cônjuge se afasta, sentimo-nos progressivamente menos esperançados de que o amor seja recuperável.
Na terapia conjugal, e em função das dificuldades específicas de cada casal, ambos têm muitas vezes de mudar. Ambos precisam de alterar uma parte dos comportamentos, sem que isso implique que se anulem e/ou que deixem de ser quem são. Mas aquilo que muda mais drasticamente é, de um modo geral, a definição dos problemas. Quando cada um é capaz de olhar para o comportamento do outro e identificar as emoções subjacentes, o ciclo vicioso quebra e a conexão recomeça.