Eu era ainda uma estagiária quando fui confrontada com uma família composta por um casal de meia-idade e os seus dois filhos adolescentes, ambos adoptados. A angústia daquela mãe era tocante – dedicara boa parte da sua vida ao papel parental e naquela altura estava tão desesperada que considerava a hipótese de “devolver” o filho mais velho. Estaria louca? Seria uma irresponsável? Não. Estava, isso sim, desesperada, deprimida. As suas expectativas foram sempre muito elevadas – relatava, com naturalidade, a forma como seleccionara o infantário para o seu primeiro bebé: listara um conjunto muito vasto de questões e, a cada visita a um novo infantário, colocava TODAS aquelas perguntas, pelo que chegou a ser confundida com uma inspectora de uma entidade qualquer. Queria o melhor para o seu bebé, como qualquer outra mãe. Também ela passara por uma selecção rigorosíssima, que envolveu muita papelada, muitos anos de espera e muitas avaliações.
Quando um casal decide adoptar uma criança há o risco de as suas expectativas e fantasias não se confirmarem aquando da chegada do seu bebé e essa frustração pode desencadear níveis de ansiedade exacerbados e dificuldades de relacionamento, que se traduzem em transtornos depressivos e ansiosos.
Como se sabe, os processos de adopção ocorrem normalmente ao fim de muitos anos de espera, marcados quase sempre por alguma angústia. Além disso, a própria decisão de partir para a adopção pode ser uma consequência do reconhecimento de uma situação de infertilidade, que é em si mesma marcante. Quando a adopção se concretiza, é natural que o casal assuma que, a partir daqui, a sua família viverá finalmente a felicidade plena, desvalorizando os “contras” da parentalidade.
Algumas semanas depois da vinda da criança para casa podem começar a surgir sinais de cansaço extremo – os membros do casal sentem-se “engolidos” pelo novo papel e, sem que o assumam verbalmente, desejam reaver as suas vidas. Afinal, a chegada de um bebé é quase sempre avassaladora, às vezes sufocante. Não é fácil ter alguém que está dependente de nós 24 horas por dia, como não é fácil lidar com os constrangimentos financeiros que resultam desta responsabilidade, ou com a perda da liberdade para sair com os amigos ou para continuar a investir na carreira profissional da mesma maneira. Como se tudo isto não bastasse, algumas destas crianças são portadoras de necessidades especiais, o que aumenta a ansiedade destes pais.
Quando os pais começam a sentir-se deprimidos e ansiosos porque não estão a ser capazes de criar uma ligação instantânea com o seu bebé, é natural que surjam muitos pensamentos negativos – alguns deles relacionados com a infertilidade e/ou com experiências de abortos espontâneos.
Sentem vergonha em relação a estes pensamentos e são incapazes de os partilhar com a família e os amigos. Afinal, estes passaram a vê-los como a “família feliz”. Mas a verdade é que esta rede de suporte, assim como a ajuda médica, são essenciais no processo de recuperação, sob pena de o transtorno depressivo se agudizar, arrastando-se durante anos.
É fundamental que os pais adoptivos percebam que qualquer pai ou mãe (biológico ou não) pode ter de enfrentar estes pensamentos e sentimentos negativos. Qualquer pai ou mãe pode sentir-se amarrado ao papel parental e arrepender-se da decisão, mesmo que existam laços de consanguinidade. Claro que este “arrependimento” é momentâneo, mas é natural. Tal como é natural que se sinta falta da independência dos tempos anteriores à vinda de uma criança, da vida marcada pela possibilidade de tomar decisões de forma impulsiva, sem a responsabilidade de ter de cuidar de uma criança.
O importante é que, tal como acontece em relação à depressão pós-parto, os membros do casal aprendam a reconhecer os sinais de alarme: tristeza permanente, desinteresse pelas actividades que outrora originavam bem-estar, alterações significativas de peso, perturbações do sono, agitação, fadiga, sentimentos de culpa e indecisão.
Os pais (adoptivos ou não) merecem o reconhecimento e validação dos seus sentimentos, mesmo os mais negativos. A assunção destes pensamentos não implica um descomprometimento em relação à criança. Pelo contrário, partilhar estas “dores” com um profissional de saúde é meio caminho andado para que o bem-estar familiar seja recuperado.