Partilho hoje a entrevista que dei recentemente à revista SÁBADO a propósito do tema "Mulheres que traem com pessoas próximas do casal – familiares, amigos ou colegas do marido/companheiro":
Gostaria de saber se já acompanhou algum caso de mulheres que se envolveram com homens próximos do casal (familiares, amigos ou colegas de trabalho do marido). Se sim, pode contar-me o que se passou com algum detalhe? Garanto a confidencialidade absoluta dos envolvidos.
Trabalho maioritariamente com casais, pelo que a infidelidade faz parte do meu quotidiano profissional. Já trabalhei com situações específicas como as que descreve, mas devo afirmar-lhe que esses pedidos de ajuda não são comuns. Trabalho muito mais com casais que passaram por uma infidelidade que envolveu um colega de trabalho ou um amigo da pessoa que é infiel. Quanto à descrição dos detalhes que envolvem casos específicos, percebo a relevância da informação mas, por princípio, não partilho esses dados. Reconheço que há colegas que o fazem, inclusivamente com a autorização das pessoas envolvidas, mas eu prefiro não o fazer.
Também queria perceber melhor esta tendência das mulheres se envolverem com pessoas que lhes são próximas e com que já têm alguma confiança. Pode explicar?
Não posso falar exactamente numa “tendência”, já que, como afirmei antes, estes pedidos de ajuda não são frequentes. Claro que se generalizarmos a proximidade aos colegas e amigos da mulher que é infiel, então, podemos referir-nos a um dos padrões mais frequentes. De facto, muitas das mulheres que foram infiéis envolveram-se com alguém que já conheciam, nomeadamente com um colega de trabalho. Por questões óbvias, estas são as pessoas com quem passamos mais tempo, pelo que é mais fácil criar-se alguma empatia. Noutros casos o envolvimento ocorre no decurso de uma actividade extraprofissional, como a ida ao ginásio. Desta proximidade física decorre naturalmente uma maior exposição em termos emocionais e a partir daqui é mais fácil criar-se a confiança de que fala. Embora também existam casos de infidelidade feminina que são muito marcados pela intimidade sexual, estes não são a maioria. De resto, a passagem ao acto sexual pode não acontecer nos primeiros tempos. Refiro-me à existência de uma infidelidade emocional, em que a mulher reconhece que se sente atraída por outra pessoa, percebe que está apaixonada, mas ainda não é capaz de ir além de alguns beijos, por exemplo.
No geral, o que leva as mulheres a ser infiéis?
Existem vários padrões relacionais que podem abrir espaço à entrada de uma terceira pessoa. Na prática, os motivos que estão subjacentes a uma infidelidade são os mesmos que estão por detrás de uma ruptura. Nalguns casos a mulher envolve-se numa série de relacionamentos curtos, muito baseados na intimidade sexual. O processo de sedução, de conquista, alimenta, de forma muito efémera, a auto-estima da mulher. Refiro-me sobretudo a situações em que não chega a haver uma entrega em termos emocionais porque também não existe uma auto-valorização. Em função das feridas emocionais destas mulheres – que até podem ser pessoas aparentemente muito seguras e confiantes -, é possível que o envolvimento físico seja a principal forma de chegar ao outro. Os relacionamentos não são curtos porque a mulher é viciada em sexo mas porque do outro lado está normalmente alguém que não está disposto a assumir um compromisso. A fragilidade destas mulheres (que tantas vezes cresceram em ambientes familiares instáveis e/ou foram vítimas de alguma forma de violência) leva-as a envolverem-se fisicamente com alguém por quem se sentem atraídas, mas o envolvimento pode alimentar o ciclo vicioso, na medida em que a aposta que é feita recai em pessoas que vão alimentar a insegurança.
Noutros casos o envolvimento com uma terceira pessoa decorre na sequência do fosso que existe na relação oficial. Sendo a intimidade emocional a base da generalidade das relações conjugais, existem casais que, involuntariamente, estão juntos há muito tempo sem terem sido capazes de se expor verdadeiramente. Chamo-lhes evitadores de intimidade, na medida em que se defendem muito, escondem as suas vulnerabilidades, impedindo que a relação evolua. A postura defensiva não resulta da falta de vontade em assumir um compromisso, mas antes de um mecanismo de defesa que os impede de confiar abertamente um no outro. Ao fim de alguns anos, existe o conforto de uma relação duradoura e o vazio de uma relação sem uma base sólida. Os conflitos podem ser constantes, pelo que a terceira pessoa desempenha, sobretudo, o papel de devolver cor e esperança à vida daquela mulher. Estas situações envolvem normalmente uma grande entrega (física e emocional) e podem desencadear a ruptura definitiva.
Por oposição, existem casais que rotulo de evitadores de conflito, que são aqueles que temem que a partir das discussões se perca o controlo e tudo se desmorone. O medo do conflito leva-os a uma harmonia aparente, que pode repercutir-se num preço demasiado elevado, já que, a páginas tantas, a acumulação de tensão, de insatisfação e de frustração leva-os a sentirem-se incompreendidos. O conflito é saudável na medida em que nos permite dar a conhecer aquilo que nos insatisfaz, aquilo que pode ser melhorado. Quando nos fechamos sobre nós mesmos, na esperança de que o outro perceba o que fez de errado, evitamos o problema “discussão”, mas aumenta a probabilidade de, a prazo, sentirmos que vivemos com um desconhecido. Nestes casos a infidelidade não resulta necessariamente de uma paixão avassaladora, mas pode servir, sobretudo, para que a mulher perceba que já não está romanticamente envolvida com o seu marido.
Entre as mulheres mais maduras existem alguns casos de infidelidade que surgem por altura da saída de casa dos filhos. De um modo geral, o casamento já “acabou” há algum tempo, a mulher dedicou a maior parte da sua vida à satisfação das necessidades afectivas dos outros – primeiro do marido e depois dos filhos – e agora está finalmente atenta às suas.
O que procuram elas numa relação extraconjugal? E, em oposição, o que procuram os homens?
As diferenças de género não podem, do meu ponto de vista, sistematizar-se desta forma. É sabido que os homens, de um modo geral, precisam de se sentir satisfeitos do ponto de vista da intimidade sexual para que possam investir plenamente na intimidade emocional e que as mulheres funcionam normalmente no sentido inverso. É também por isso que tantas vezes surgem equívocos de comunicação e ciclos viciosos no casamento. Mas devo dizer-lhe que, sendo a infidelidade uma escolha, na medida em que, mesmo que haja problemas sérios na relação conjugal podemos sempre dizer não, nem todas as pessoas “procuram” uma relação extraconjugal. Aliás, na generalidade das situações com que trabalho, foi precisamente porque as mulheres se sentiam dominadas pelas emoções – a frustração dos problemas no casamento associada ao encanto avassalador de uma nova paixão – que acabaram por fazer algo que antes repugnavam. A infidelidade, ao contrário do que se possa pensar, pode envolver o sofrimento de todas as partes envolvidas, inclusive da pessoa (mulher neste caso) que trai.
Uma relação pode sobreviver a uma traição deste tipo (no fundo, uma dupla traição)? Como pode um terapeuta ajudar?
Sim, uma relação pode sobreviver a uma infidelidade como esta. Não é fácil ultrapassar a dor e restaurar a confiança, como não o é em nenhum processo que envolva uma traição. A especificidade de cada situação pode determinar a dificuldade de dar a volta. Antes de mais, compete ao terapeuta ajudar os membros do casal a olhar para trás, para o percurso anterior à infidelidade, para os recursos e para os problemas, para que se possa identificar os factores que abriram espaço ao aparecimento de uma terceira pessoa. Esta análise ajudá-los-á a dar resposta a alguns “porquês”. Ainda assim, e apesar de ser crucial que a pessoa que foi traída possa colocar todas as questões que a angustiam, há um ponto no processo terapêutico a partir do qual não é positivo continuar a olhar para trás, pelo que há que aceitar que alguns detalhes não vão mesmo ser esmiuçados, sob pena de isso implicar que a confiança não seja restabelecida ou até que se criem novos ciclos viciosos.
Para alguns homens é muito difícil ultrapassar a mágoa inerente ao envolvimento físico, pelo que as ruminações podem sobrepor-se à vontade de voltar a apostar naquela relação. Para outros, pode ser o facto de terem sido confrontados com uma sucessão de mentiras que os leva a hesitar.
De qualquer modo, estes são processos que envolvem algum tempo, investimento emocional e monitorização regular por parte do terapeuta.
Nestes casos, quem é que as pessoas traídas têm mais dificuldade em perdoar: a mulher que traiu ou o familiar/amigo/colega com quem traiu?
É mais fácil sentir raiva do que tristeza, pelo que não raras vezes o marido canaliza a sua dor para a terceira pessoa, revoltando-se, ou até elaborando planos de vingança. Tratar-se-á de um mecanismo de defesa que o protege de vivenciar a profunda tristeza e a desilusão associadas ao comportamento da mulher. Também existe mágoa e desilusão em relação ao familiar ou ao amigo envolvido no triângulo amoroso mas, de um modo geral, o investimento que fazemos na relação amorosa é maior, como são maiores as expectativas que depositamos na pessoa com quem casamos.
Claro que se se tratar de um amigo muito próximo a desorientação é maior, na medida em que a pessoa sentir-se-á mais desamparada, mais perdida.
Quando o pedido de ajuda é feito, isto é, quando os casais chegam até ao meu consultório, a atenção da pessoa que foi traída está mais centrada no comportamento da mulher e/ou nas dificuldades que estão a impedi-los de ultrapassar a infidelidade.