Qualquer pessoa que inicie um namoro sabe com certeza que a pessoa que ama já teve outras relações amorosas, mais ou menos significativas, e, independentemente dos ciúmes ou da curiosidade de cada um, há uma pergunta que todos fazem: “Será que estas relações estão completamente resolvidas?”. À medida que a relação vai evoluindo e que os membros do casal se vão expondo mais e mais, a confiança cresce e, mesmo que a pergunta não seja verbalizada, a resposta acaba por surgir. Precisamos de sentir que o amor que aquela pessoa proclama ter por nós é fruto de segurança emocional, e, para isso, precisamos de saber que os namoros ou casamentos do passado ficaram bem arrumados no passado. Claro que quando há filhos dessas relações o vínculo manter-se-á para sempre, mas essa é das poucas excepções em que, aos olhos de quem ama, faz sentido manter o contacto com o/a “ex”.
Como existem diferenças muito significativas de pessoa para pessoa e sobretudo porque a história de cada casal é única e especial, surgem muitas vezes conflitos sérios a propósito desta questão. Lembro-me de um casal com quem trabalhei que pediu ajuda terapêutica precisamente porque a mulher não estava a saber lidar com o facto de o marido ter guardado no seu computador pessoal uma pasta com fotografias recentes da ex-mulher (e que tinham sido descarregadas da sua página do Hi5). Noutro caso clínico, o marido não entendia porque é que a mulher continuava a manter contactos telefónicos com um ex-namorado, e mais, às escondidas. O senhor que descarregou as fotos da ex-mulher saberia certamente que se a sua mulher encontrasse aquela pasta ficaria magoada – por isso é que a escondeu. E a senhora que mantinha contacto com o ex-namorado não tinha qualquer intenção de voltar a envolver-se romanticamente com este, mas ocultava os telefonemas, que considerava inofensivos, para evitar que o marido se aborrecesse.
Em qualquer relação conjugal a confiança é crucial para a consolidação da intimidade. Tanto num caso como no outro houve alguém que deliberadamente escolheu manter segredos em relação ao cônjuge e as duas situações só foram reveladas porque o outro andou a bisbilhotar. Estes comportamentos “à detective” são em si mesmos prejudiciais à estabilidade e à confiança numa relação. As duas situações ilustram bem os ciclos viciosos em que tantos casais se encontram – quando um dos cônjuges começa por ocultar alguma coisa, há uma probabilidade relativamente elevada de o outro se sentir inseguro e de começar a investigar no sentido de descobrir o que está a ser escondido.
Mesmo que o que está a ser ocultado seja efectivamente inócuo, pelo menos aos olhos de quem oculta (porque se sente seguro em relação aos seus afectos), é praticamente inevitável surgirem ciúmes, insegurança, desconfiança, ansiedade e até a sensação de se estar a ser traído. Claro que na generalidade dos casos (e nestes dois também), a pessoa que esconde alguma coisa justifica o seu comportamento com os ciúmes e o controlo serrado do cônjuge usando frases como “Eu já sabia que ele/a iria armar um escândalo”, “Ele/a não confia em mim e leva-me a ter de esconder” ou “Faço-o para evitar problemas”. A verdade é que quando alguém oculta alguma coisa pode muito bem não ter qualquer malícia por detrás do seu comportamento, mas revela fracas competências relacionais.