É curioso como nós, adultos, somos muito assertivos no que toca à avaliação do comportamento das crianças – especialmente as “outras”, não as nossas – mas somos incrivelmente mais passivos no que diz respeito ao comportamento dos adultos. Quantas vezes não ouvimos a frase “As crianças podem ser muito cruéis”? Seja a propósito da deficiência, da adopção homossexual ou de qualquer outro tema fracturante, os juízos de valor das crianças e a sua franqueza vêm quase sempre à tona, como se só as crianças sofressem as agruras da avaliação e do preconceito. Concordo plenamente com a ideia de que as crianças também podem ser muito trocistas e até maldosas. Mas nós, adultos, somos campeões do preconceito e dos juízos de valor e esquecemo-nos de que os outros adultos também sofrem, às vezes em silêncio, com as nossas críticas.
Ao mesmo tempo que proclamamos a nossa abertura de espírito e nos assumimos como tolerantes em relação aos problemas estruturantes, conseguimos ser mesquinhos e preconceituosos em relação à diferença nas coisas mais mundanas. Apontamos o dedo a cada erro, criticamos cada comportamento que se desvie da norma, às vezes de forma cruel. Não nos iludamos: por maior que seja o nosso esforço, é impossível não errar. E já todos falhámos no que diz respeito à intolerância. Os mais atentos esforçar-se-ão por fazê-lo o menos possível; outros esquivar-se-ão a qualquer auto-avaliação e continuarão a assumir-se como “open minded”, ainda que exerçam o poder da crítica de forma sistemática.
Algumas palavras podem ser muito duras e deixar marcas na auto-estima alheia, mas o que está por detrás de cada crítica – os juízos de valor, os pensamentos negativos - também tem impacto no próprio. Quanto mais nos detemos em pensamentos do tipo “deveria ser assim”, “isto é errado” ou “não é normal”, maior a probabilidade de vermos o nosso bem-estar condicionado. O que quero dizer é que as pessoas que mais criticam e censuram (seja em relação a si mesmas, seja em relação aos outros) são mais propensas ao aparecimento de sintomatologia depressiva e ansiosa. Pelo contrário, as pessoas que aprendem a aceitar a diferença são bem mais felizes.
Nem sempre é fácil reagir à diferença sem adoptar uma postura crítica, mas podemos dar o nosso melhor. Não confundamos, no entanto, tolerância com positivismo. Evitar os juízos de valor não é propriamente o mesmo que tentar encontrar algo de positivo em cada evento. Trata-se apenas de admitir que há realidades e sentimentos diferentes dos nossos.