Numa grande parte dos processos de terapia de casal que chegam ao meu consultório a queixa que sobressai primeiro diz respeito ao “facto” de os homens não serem capazes de expor de forma eficaz os seus sentimentos. As mulheres queixam-se frequentemente de serem forçadas a arrancar “a ferros” qualquer comentário que lhes permita aceder às emoções dos companheiros e, não raras vezes, alertam-me logo na primeira consulta que “não vai ser fácil convencê-lo a falar”. De um modo geral, este equívoco desfaz-se ao fim de pouco tempo. Homens e mulheres gostam de falar de si, de expor aquilo que sentem, mas precisam de se sentir à vontade, precisam de confiar, precisam de antecipar que vale a pena deitar cá para fora o que lhes vai no coração. Nem eu nem nenhum outro terapeuta de casal possuímos pozinhos mágicos que permitam a revelação instantânea destes homens, mas a posição de terapeuta tem obviamente uma vantagem com consequências imediatas: o facto de estarmos emocionalmente distantes daquela situação, far-nos-á gerir o que é dito sem juízos de valor, críticas ou reacções impulsivas. Pelo contrário, quando um homem tenta expressar o que sente e é imediatamente confrontado com a impulsividade (e às vezes agressividade) da mulher, não só se sentirá atacado, como pode não saber contornar este obstáculo.
Aquilo que verifico nos casais com problemas de comunicação muito enraizados é que os ciclos viciosos estão muitas vezes associados a uma incapacidade masculina, sim, mas que não está relacionada com a exteriorização das emoções em geral, mas com a gestão da raiva em particular. Perante as críticas, os ataques pessoais, as interrupções ou a aparente incompreensão da mulher, alguns homens acabam por retrair-se, construindo uma espécie de muro que, com a passagem do tempo pode tornar-se intransponível. Quanto mais o marido se fecha sobre si mesmo, maior será, legitimamente, o desespero da mulher, que rapidamente passa de “interessada em aceder aos sentimentos do marido” a “chata insuportável que não faz outra coisa senão azucrinar”. Como este desespero se traduz muitas vezes em chamadas de atenção constantes, mais cedo ou mais tarde, a mulher é confrontada com uma reacção impulsiva, brusca, em que o marido profere frases como “Já não posso ouvir-te”, “É sempre a mesma coisa”, “Transformaste a nossa vida num inferno” e/ou “Não aguento, quero o divórcio”.
A acumulação de tensão associada ao retraimento acaba por resultar numa explosão de raiva que assusta a mulher e agudiza o seu desespero. Claro que quando as duas pessoas se auto-acalmam o marido até é capaz de assumir que se exaltou de forma excessiva e, em muitos casos, promete que vai tentar falar mais abertamente sobre o que sente. Não está a mentir. Na pior das hipóteses, estará a auto-iludir-se, já que não é fácil colocar um homem que está habituado a resguardar-se no seu silêncio a expor abertamente as suas emoções. Daí que muitas vezes estes ciclos viciosos só sejam quebrados em sede de terapia de casal ou familiar.
A maior parte das pessoas lida diariamente com a raiva em relação aos problemas familiares, educação dos filhos, percurso profissional, questões financeiras e outras. Para algumas pessoas (mais homens do que mulheres) é particularmente difícil gerir toda esta tensão, pelo que o silêncio acaba por ser sobrevalorizado pois camufla a tristeza e a frustração e, durante algum tempo, pode dar a imagem de estabilidade e solidez.
Se uma mulher tentar convencer o marido a recorrer à psicoterapia individual, mesmo que mostre a sua preocupação em relação ao seu retraimento e a estas explosões, dificilmente o conseguirá. Esta resistência também se prende com o ego masculino e com a dificuldade em assumir que o problema está “apenas” num dos membros da família. Pelo contrário, quando o pedido de ajuda é feito a dois, a responsabilidade é repartida – ambos passam a ter oportunidade de perceber o que é que no seu comportamento irrita ou entristece o outro, como é que cada um contribui para a manutenção dos ciclos de agressividade e o que é que cada um pode fazer para recuperar a harmonia.