Considera normal uma certa ansiedade na gravidez? A que tipo de fatores se encontra associada essa ansiedade?
A gravidez é, de um modo geral, um período que corresponde à elevação dos níveis de bem-estar da mulher. Mesmo nos casos em que a gravidez não é planeada, e depois do “choque” inicial, o mais provável é que a mulher se sinta mais calma do que o habitual. É também por isso que, quando existem níveis elevados de ansiedade, não é fácil assumir o problema, falar abertamente sobre isso. Existem algumas situações que aumentam os níveis de ansiedade da grávida:
- Gravidez não planeada associada a uma relação recente. Apesar de vivermos numa sociedade cada vez mais informada, continuam a surgir muitas gravidezes não planeadas em relações que ainda não estão “maduras”. Mesmo que os progenitores sejam adultos com a carreira estabilizada, o caráter recente dos laços afetivos pode gerar algumas dúvidas acerca da viabilidade da relação. Além disso, de um modo geral, é preciso tempo para que os membros do casal se conheçam profundamente, pelo que o aparecimento de uma gravidez nestas circunstâncias pode implicar o confronto com demasiadas mudanças em simultâneo, gerando o aumento dos conflitos e a elevação dos níveis de stress.
- Gravidez após um longo período de infertilidade. Mais do que em qualquer outro caso, os casais que passam por dificuldades em concretizar uma gravidez de termo possuem expectativas muito elevadas em relação ao nascimento de um primeiro filho, pelo que um resultado positivo no teste de gravidez nem sempre dá lugar à festa e à serenidade esperadas. Estes casais são normalmente pessoas sedentas de informação, que lêem tudo o que está disponível sobre o assunto e que facilmente se exasperam perante situações comuns que encaram como ameaçadoras. Nalguns destes casos o período de infertilidade deixou marcas profundas na comunicação do casal, pelo que a gravidez acaba por surgir numa fase em que a grávida não se sente capaz de reivindicar o apoio do marido.
- Conflitos com a família de origem. A gravidez corresponde ao período mais belo da maioria das mulheres mas esta felicidade pode ser ensombrada pelos traumas do passado, concretamente pelos conflitos com a família de origem. Quanto mais tensa for a relação da mulher com a sua própria mãe, por exemplo, maior será a probabilidade de , nesta fase, existir a vontade de fazer tudo na perfeição e, em muitos casos, esta vontade aparece acompanhada da determinação em fazer as coisas exatamente de forma oposta ao que a progenitora fez no passado. A verdade é que estes conflitos não resolvidos acabam por condicionar o bem-estar da mulher, comprometendo a saúde do bebé e a viabilidade da gravidez.
- Dificuldades sérias na relação conjugal. O nascimento de um filho deveria estar associado à vontade de dar continuidade ao amor que uniu os progenitores. Infelizmente, nem todas as gravidezes surgem numa altura em que os membros do casal estão em harmonia. Pior do que isso: nalguns casos a gravidez surge precisamente na sequência de uma tentativa para salvar a relação. Como a gravidez também corresponde a alterações no corpo e no estado emocional da mulher, a intimidade pode ficar ainda mais comprometida nesta fase, agravando o stress conjugal.
- Idade avançada da mulher. Nos dias de hoje os casais adiam o nascimento do primeiro filho em função da estabilidade profissional, pelo que são cada vez mais frequentes as gravidezes depois dos 40 anos. Como nesta fase da vida a probabilidade de surgirem malformações genéticas é mais elevada, nem sempre é fácil gerir o stress que está associado a esta possibilidade. Mais do que nunca, é preciso que a comunicação do casal seja eficaz e que, a dois, seja possível tomar decisões a respeito da realização da amniocentese e dos riscos associados a esta e a outras decisões.
- Dependência de substâncias. Algumas grávidas sentem-se incapazes de interromper o consumo de tabaco, álcool ou a toma de determinados medicamentos, ainda que reconheçam que esta dependência possa afetar a saúde do bebé. Esta ambivalência acarreta sofrimento, desgaste nas relações afetivas (já que é muito difícil para quem está de fora aceitar esta escolha) e a expectável elevação dos níveis de ansiedade da grávida.
De que forma pode afetar a saúde da grávida?
A nossa saúde emocional condiciona a saúde física, pelo que o mesmo é verdade durante a gravidez. A elevação dos níveis de stress está associada a perturbações do sono, perturbações do comportamento alimentar e estas afetam toda a saúde física da mulher grávida, comprometendo a viabilidade da gravidez.
Quais as repercussões em termos da viabilidade da gravidez e da saúde do feto?
O estado emocional da grávida condiciona a saúde do bebé e a viabilidade da gravidez. Ainda que existam muitas situações desconhecidas que possam estar na origem de um aborto espontâneo, hoje sabe-se que a elevação dos níveis de ansiedade é um dos factores subjacentes a esta problemática. Além disso, quando o feto é exposto a níveis intensos de cortisol (hormona do stress) aumenta a probabilidade de empobrecimento do desenvolvimento cognitivo. Quando isto acontece, a criança pode sentir mais dificuldade em manter a atenção ou em resolver problemas.
Quais as estratégias para gerir o stress e a ansiedade no dia-a-dia durante a gravidez?
- Relativizar/ socializar. Mais do que nunca, importa que a grávida seja capaz de relativizar as dificuldades em vez de ruminar sobre os problemas e, assim, impedir que o stress tome conta do seu dia-a-dia. Claro que os pensamentos automáticos negativos podem ser difíceis de travar e por isso é que é fundamental que a grávida partilhe as suas dificuldades com as pessoas em quem confia. Até os pensamentos mais disparatados devem ser partilhados já que daí resulta a possibilidade de se desfazer equívocos e racionalizar sobre os problemas. De resto, o isolamento social anda de mãos dadas com os transtornos depressivos e ansiosos, pelo que é fundamental que a grávida se sinta amparada e que se esforce por socializar.
- Definir objetivos claros. A idealização excessiva é meio caminho para a elevação dos níveis de ansiedade, pelo que importa que a grávida seja capaz de abdicar de algumas metas utópicas e saboreie a gravidez. A identificação das metas desejadas deve ser partilhada com o pai, negociada, no sentido de não haver o risco de um período tão belo ficar associado a uma lista interminável de preocupações. Não tem de ser tudo perfeito.
- Pedir ajuda. Tal como acontece em relação à saúde física, as alterações no estado emocional da mulher devem ser alvo da devida atenção. Se não tentamos resolver sozinhos todos os problemas que nos condicionam fisicamente, por que o faremos no que toca à saúde emocional? Quanto mais cedo a grávida pedir ajuda, maior a probabilidade de se sentir estável e segura por altura do parto.
Qual o papel do companheiro neste processo?
Para o bem e para o mal, a qualidade da relação conjugal condiciona o estado emocional da grávida. Se a relação for estável, segura, uma fonte de suporte e de afetos, então é mais provável que a grávida se sinta capaz de falar abertamente sobre o que a perturba e até procure ajuda mais cedo. Pelo contrário, se a fonte de ansiedade estiver relacionada ou for agravada pelas dificuldades na relação conjugal, então o desamparo é maior e o desespero pode ser gerido isoladamente.
Quais os sinais de alerta para estados mais graves de ansiedade na grávida?
Estamos habituados a constatar na maior parte das mulheres grávidas uma serenidade contagiante, pelo que os sinais de agitação e tristeza são indícios claros de que algo não está bem. Por outro lado, se a grávida não se envolve com o desenvolvimento do feto, não vai às consultas de acompanhamento da gravidez e/ou não mostra entusiasmo na preparação da chegada do bebé, é possível que estejamos perante a existência de uma perturbação de humor que tem mesmo de ser alvo da atenção especializada.
Que tipo de ajudas deve solicitar nestes casos?
O aparecimento de um transtorno depressivo ou ansioso requer quase sempre o acompanhamento multidisciplinar, que envolve consultas de Psicologia (muitas vezes com uma componente familiar), Medicina Geral e Familiar e Obstetrícia. O primeiro passo deve ser a partilha honesta destas dificuldades com um psicólogo experiente e/ou com o médico de família.