“Eu nunca contei isto a ninguém, nem sequer ao meu marido” disse-me a Madalena no final de uma consulta. Nessa sessão falámos sobre uma parte das suas feridas emocionais, daquelas que remontam à infância e que estão a comprometer o seu bem-estar individual e a sua relação conjugal. Foi uma consulta dura que terminou com um “Obrigada por tudo”. Há quase 30 anos que a Madalena carrega estes segredos e a vergonha, associada a muitas crenças irracionais, tem-na consumido. Por que esperou tanto tempo para falar com alguém? Por que escolheu fazê-lo neste contexto? Por que escolheu uma pessoa estranha para fazer estas revelações?
Na verdade, eu não sou uma estranha para a Madalena, já que a acompanho há alguns meses. Então, por que escolheu revelar-se agora? Toda a gente sabe que a terapia pode envolver algum tempo. Ora, se nesse tempo as coisas forem bem feitas, é possível que surjam algumas revelações como estas, difíceis de assumir, difíceis de verbalizar em voz alta. Mesmo nos casos em que não há segredos profundos, para que o psicólogo conheça o paciente e para que o paciente se revele é preciso tempo. Tempo e confiança. Não me refiro, claro, à mera elaboração de um diagnóstico – refiro-me a toda a informação que nos permite ver aquela pessoa como a pessoa única que é. Esta revelação implica que o paciente se sinta seguro acerca da integridade do psicólogo. Mas desengane-se quem considere que a mera passagem do tempo é suficiente para que as pessoas se revelem em sede de terapia. O elevado número de sessões terapêuticas tão-pouco é revelador da confiança existente entre psicólogo e paciente. Porquê? Porque um terapeuta pode interpretar mal aquilo que o paciente diz, pode conduzir o processo terapêutico baseando-se em equívocos e isso pode acontecer durante várias sessões. Além disso, o próprio paciente pode tentar ludibriar o terapeuta suavizando alguns episódios do seu percurso, dramatizando outros, evitando a auto-revelação.
Também é verdade que algumas pessoas se sentem tão sufocadas pelos problemas que optam por deitar tudo cá para fora logo de início. Ainda assim, todas as pessoas se defendem e é preciso tempo e confiança para que algumas amarras se desprendam.
A terapia é um processo em que o psicólogo fornece a quem está do outro lado a oportunidade de ser ouvido, conhecido, compreendido, cuidado. É-lhe dado um ambiente confortável para expor os seus tormentos na companhia de alguém que está lá para cuidar. E isso é muito mais do que dar ferramentas ou promover competências.
Até ao dia em que a Madalena escolheu falar abertamente sobre as suas feridas abordámos outros problemas mas estava claro para mim que haveria muita informação a que eu não estava a aceder. Compete-me SEMPRE respeitar o timing de cada pessoa e é por isso que, se uma pessoa escolher não responder a uma determinada pergunta, eu honro o compromisso de não insistir. Mas faço questão de clarificar que a minha ajuda também depende da capacidade de revelação porque esse é o ponto de partida para uma análise rigorosa e para um acompanhamento eficaz.