São relativamente frequentes os pedidos de ajuda referentes à diminuição do desejo sexual feminino, em particular depois do nascimento dos filhos. Como já tive oportunidade de explicar aqui, a intimidade emocional está directamente relacionada com a intimidade sexual, pelo que a generalidade das mulheres acaba por ver o seu desejo sexual comprometido quando alguma coisa não corre bem em termos emocionais. O que acontece depois do nascimento de uma criança tem tanto de belo como de turbulento, pelo que, não raras vezes, a comunicação entre os cônjuges empobrece, o distanciamento aumenta e a satisfação sexual decresce. Mas, ainda que este texto seja sobre o desejo sexual feminino, pouco ou nada tem a ver com o nascimento dos filhos. Tem, isso sim, a ver com alguns pedidos de ajuda que, centrando-se em supostas dificuldades de natureza sexual, escondem problemas de confiança.
Como seria expectável, a ocorrência de uma infidelidade pode minar a confiança no cônjuge, afectando toda a comunicação e a intimidade sexual em particular. É muito difícil para qualquer pessoa voltar a entregar-se e usufruir em pleno do prazer que advém da relação sexual depois de ter sido traída. Até aí é quase sempre necessária a intervenção terapêutica, que inclui a abordagem clara do que aconteceu, a exteriorização de emoções significativas, o confronto com os erros do passado que abriram espaço para o aparecimento de uma terceira pessoa, a assunção de responsabilidades e de novos compromissos. Este é o percurso “natural” nos processos terapêuticos em que a infidelidade é assumida e em que os membros do casal estão dispostos a reconstruir a relação. Contudo, existem inúmeros processos terapêuticos marcados por situações dúbias, traições não assumidas/ não confirmadas, episódios que levantam suspeitas mas não são claramente conversados, mentiras e traições emocionais, que, não incluindo o choque e o confronto com a traição física, também podem minar a confiança entre os cônjuges. Como na maior parte destes casos a traição não é um dado adquirido, pode tornar-se difícil falar abertamente sobre o problema, pelo que é relativamente fácil para quem se sente traído guardar as dúvidas para si mesmo, alimentando fantasmas que acabam por corroer a relação.
Independentemente das “provas” de infidelidade, importa que a pessoa que se sente traída/ desrespeitada/ insegura possa falar abertamente sobre o problema, sob pena de este tabu se transformar num ciclo vicioso capaz de levar o casal à ruptura, com a agravante de contribuir para a destruição da auto-estima de quem, voluntária ou involuntariamente, tapa o sol com a peneira. Infelizmente, são frequentes os casos de mulheres que “teimam” em não ver o que está escancarado, que suavizam os comportamentos dos companheiros, mesmo quando se sentem desrespeitadas. Zangam-se quando se confrontam com mensagens de carácter íntimo que são enviadas a outras mulheres mas contentam-se com desculpas esfarrapadas e seguem as suas vidas como se o alarme não tivesse soado; ameaçam sair de casa depois de encontrar um e-mail “mais ou menos” comprometedor mas aceitam as promessas de que “não volta a acontecer”, sem que o assunto seja devidamente abordado. E, ao mesmo tempo que tudo PARECE correr bem, queixam-se da falta de desejo sexual e preocupam-se com a possibilidade de estarem a passar por algum problema fisiológico. São até capazes de atribuir esta alteração à maternidade, ao trabalho ou ao stress em geral. Recusam-se, portanto, a enfrentar o problema real: a falta de confiança no parceiro.
O que acontece é que a sucessão de episódios que levantam dúvidas acerca da integridade do cônjuge é mais do que suficiente para fazer desaparecer o interesse pelo sexo. Perante a falta de confiança, seria expectável que a raiva fosse exteriorizada. Como não é, acaba por ser canalizada para a sexualidade, sob a forma de falta de desejo. Se o alarme já soou, não adianta fingir que não aconteceu nada. A verdade é que os instintos de quem se sentiu traída/ desconfiada levá-la-ão ao medo constante de que “aquilo” volte a acontecer e esse medo não é compatível com o desejo sexual. Nem com o amor.