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6.1.11

GERIR AS EMOÇÕES


Partilho hoje a entrevista que concedi à revista “Zen Energy” sob o tema “Administrar as Emoções”.

Ter uma boa relação amorosa de sucesso envolve trabalho das duas partes. As boas relações não surgem com facilidade. No seu ponto de vista, o que fazer para ter uma relação amorosa de sucesso?

Antes de mais, importa clarificar o próprio conceito de “relação amorosa de sucesso”. Até há relativamente pouco tempo, uma relação duradoura era considerada uma relação de sucesso. A inexistência de um divórcio era o principal indicador do êxito nesta área da vida. Hoje vivemos sob o paradigma do amor e, para que nos sintamos bem sucedidos em termos amorosos é preciso que estejamos felizes. É também por isso que é tão difícil manter uma relação nos dias de hoje. Se é verdade que somos, em termos geracionais, mais impulsivos, e que isso contribui para que se desista mais rapidamente e para que as contrariedades não sejam combatidas com a mesma tenacidade, também é certo que deixámos de nos acomodar a situações familiares insatisfatórias, o que é francamente positivo.

Para que os dois membros do casal se sintam felizes numa relação duradoura é preciso que se revelem, que mostrem de forma clara aquilo que são, aquilo de que precisam, a forma como se sentem em cada situação e as feridas que trazem na bagagem. Só se nos mostrarmos disponíveis para o outro, dando-lhe a conhecer aquilo que temos de bom, mas também o nosso lado menos bonito, podemos sentir-nos seguros e deixar o outro seguro. Por outro lado, manter uma relação implica ter disponibilidade para o cônjuge, prestar-lhe muita atenção, mostrar com regularidade e clareza a importância que aquela pessoa tem na nossa vida. De que adianta propagandear o nosso amor se, em termos práticos, nos é relativamente fácil desviar a atenção para a televisão ou para o computador em vez de mostrarmos interesse genuíno naquilo que a pessoa de quem gostamos diz? Os casais precisam de viver momentos românticos especiais mas nenhuma relação sobrevive á conta de grandiosos gestos românticos que têm lugar com pouca frequência. Precisamos de sentir que a pessoa que escolhemos para estar ao nosso lado é aquela que nos valoriza e que faz questão de nos mostrar que estamos no topo das suas prioridades. Claro que isso não implica que algum dos membros do casal se anule ou sequer que deixe de alimentar os outros papéis da sua vida. Implica, isso sim, que o amor e a família sejam acarinhados e protegidos.

Outro dos eixos que caracteriza uma relação amorosa feliz e duradoura é a confiança, que resulta precisamente do conhecimento mútuo e da disponibilidade que mostramos. Se um dos membros do casal não confiar no outro, tenderá a evidenciar a sua insegurança, procurando chamar a atenção para as suas necessidades. Como este desespero é em si mesmo potencialmente perturbador, é fácil cair-se em ciclos viciosos muito perigosos em que a comunicação se resume a espirais de conflito que têm tanto de infrutífero quanto de desgastante.

Será que o segredo para uma relação dar certo é a positividade na vida, estar de bem com a vida?

Eu não diria que o optimismo é “o grande segredo” para uma relação dar certo. Diria, isso sim, que o optimismo é uma competência social importante para todas as nossas relações sociais na medida em que anda de mãos dadas como uma outra, a resiliência, que não é mais do que a capacidade de reagir às adversidades, em vez de se cruzar os braços. Ora, em termos conjugais ser-se optimista é também ser capaz de relativizar os problemas, dar-lhes a dimensão real em vez de dramatizar. Quando o fazemos, torna-se mais fácil discernir sobre o que pode e o que não pode ser resolvido. Uma das características dos casais felizes e que estão juntos há muito tempo é precisamente esta capacidade para aceitar que nem todos os problemas terão uma solução. A maior parte dos problemas familiares só podem ser geridos, e isso implica muito “jogo de cintura”, implica aprender a ceder, implica reconhecer que para que ambos ganhem e a relação amorosa continue protegida muitas vezes é preciso que ambos “percam” um bocadinho.

O sorriso e a elevada auto-estima são uma boa arma de sedução?

Sorrimos na medida em que nos sentimos seguros, confortáveis e amparados e isso depende em larga medida das ligações afectivas que vamos construindo. As pessoas que dão mais de si, que se interessam genuinamente pelos outros e que são gratas por aquilo que têm, são normalmente mais seguras, têm a auto-estima mais elevada, são mais desprendidas e bem-dispostas e, precisamente por isso, parecem-nos quase sempre mais atraentes. É como se tivessem um carisma especial, que não depende do sucesso profissional, dos bens materiais acumulados ou da beleza física. Então, creio que podemos afirmar que o sorriso e a auto-estima elevada são elementos que nos atraem, que nos seduzem.

Quando a relação chega ao esgotamento muitos casais recorrem à terapia de casal. Qual é a sua opinião? Acha que esta é uma forma viável?

Infelizmente, muitos casais permitem que o tempo passe e que os problemas se agudizem para só então recorrerem à ajuda da terapia de casal. Felizmente, os mitos e os preconceitos começam a desvanecer-se e os pedidos de ajuda são cada vez mais comuns. Claro que quanto mais cedo é feito o pedido de ajuda, maior a probabilidade de sucesso, mas creio que os casais fazem muito bem em tentar esta intervenção psicoterapêutica mesmo quando já se sentem esgotados. Não faz sentido desistirmos daquele que é, provavelmente, o nosso grande projecto de vida sem tentarmos todas as alternativas. Se o fazemos em relação à nossa saúde física, por que não o faremos em relação à nossa saúde emocional? A verdade é que é muito duro enfrentar uma separação ou um divórcio. Mesmo quando as pessoas já não gostam uma da outra da mesma maneira, é dificílimo enfrentar o fracasso do casamento. Há uma parte daquelas pessoas que morre, há um luto que tem de ser feito e isso é aterrador.

A terapia de casal não faz milagres, nem sequer permite que uma pessoa volte a apaixonar-se pelo seu cônjuge. Mas é uma ajuda muito útil aos casais que, embora desgastados, desesperados e desesperançados, reconhecem que ainda há sentimentos. Estes processos são marcados por alguns avanços e recuos e nalguns casos culminam na assunção de que “já não dá” mas são quase sempre uma oportunidade para reconstruir uma relação que estava desgastada.

Quais são os efeitos da mentira num relacionamento?

Como referi antes, a confiança é um dos pilares de uma relação afectiva feliz e duradoura, pelo que a mentira constitui uma ameaça à segurança dos cônjuges. Confrontarmo-nos com uma mentira da pessoa que mais amamos é avassalador e faz com que, a partir desse momento, os nossos alarmes internos estejam sistematicamente ligados. Claro que existem mentiras mais ou menos inofensivas e mentiras mais graves. Também existem pessoas cujo passado afectivo pode incluir feridas emocionais associadas à mentira ou à traição e, nesses casos, a mentira toma proporções mais sérias, podendo até levar o casal a braços-de-ferro intermináveis.

Ser-se emocionalmente inteligente numa relação amorosa também é ser-se assertivo, isto é, é ser capaz de dizer a verdade de forma clara, sem medo do conflito. Quando nos esquivamos à verdade, adoptando uma postura passiva, abrimos espaço para um mundo de problemas.

Aquele que mente acaba com a oportunidade do amor dar certo, acaba com a relação?

Não necessariamente. É preciso olhar para a dinâmica da comunicação, é preciso perceber que “função” é que a mentira está a desempenhar. Alguém que assuma comportamentos passivos porque é um evitador de conflitos pode, em sede de terapia, desenvolver determinadas competências que lhe permitam evoluir e, assim, salvar a relação. Mas as marcas que ficam no cônjuge podem ser inultrapassáveis.

Falemos agora do primeiro encontro. Administrar as emoções é fundamental quando o assunto é o romance. Quais são as principais emoções e armadilhas num primeiro encontro?

Quando nos sentimos atraídos por alguém, é expectável que nos centremos nas suas qualidades e que as falhas ou os defeitos nos passem ao lado. Por outro lado, esforçamo-nos por mostrar o melhor de nós, camuflando de forma quase automática o nosso próprio “lado lunar”. Mas se estes são mecanismos automáticos que, com a passagem do tempo, vão dando lugar a uma partilha mais sincera e abrangente, também é verdade que não devemos ceder à tentação de idealizar excessivamente. Se nos esquivarmos a partilhar aquilo que somos e recorremos à mentira para impressionar o outro, ser-nos-á cada vez mais difícil desfazer essa imagem e a tensão tomará o lugar da alegria e do entusiasmo. Por outro lado, importa que a intensidade das nossas emoções não nos impeça de identificar potenciais sinais de alarme. Se a pessoa com quem estamos mantém o telemóvel sistematicamente desligado, se esquiva a um encontro num lugar movimentado ou “esconde” a sua família e amigos, não devemos fingir que é tudo “normal”.

Ninguém gosta de se sentir enganado. Pelo contrário, precisamos de nos sentir seguros, confiantes e isso depende da honestidade que investirmos nas relações afectivas.

O primeiro encontro costuma ser decisivo, ou seja, sabemos logo se vai ou não dar certo?

Alguns estudos em Psicologia Social mostram que a primeira impressão é, de facto, muito importante, mas não creio que possamos afirmar que é possível avaliar se a “relação” tem futuro ou não logo no final de um primeiro encontro. De resto, as pessoas são diferentes entre si e se há aquelas que se entusiasmam facilmente e que até são capazes de assumir determinadas certezas, também há outras que precisam de mais tempo para que se sintam seguras. De um modo geral, a nossa segurança cresce à medida que o tempo passa e partilhamos com aquela pessoa momentos de revelação mútua, em que nos sentimos conectados.

O que aconselha àquelas pessoas que, embora estejam a viver uma relação harmoniosa, o medo da perda é uma constante?

Numa relação harmoniosa também pode existir medo, mas este não pode ser constante. Alguma coisa está errada quando olhamos à nossa volta e, apesar de não existirem indícios de que a relação possa estar em perigo, nos sentimos permanentemente em estado de alerta. Nestes casos, é possível que as vulnerabilidades do passado – da infância ou de relações amorosas anteriores – estejam a condicionar o bem-estar na actualidade, pelo que importa pedir ajuda. Esperar que o tempo passe e que o mal-estar se desvaneça é permitir que novos conflitos surjam e que o problema cresça.

E o que dizer àquelas pessoas que vivem um relacionamento de longos anos e, embora saibam que nada mais os une, mesmo sendo infelizes, preferem acomodar-se à relação?

Como já referi, estas situações são cada vez mais raras, felizmente. De um modo geral, acontecem quando há filhos pequenos e o medo de traumatizar as crianças se sobrepõe ao mal-estar que resulta de uma relação conjugal infeliz. Mas mesmo quando há filhos pequenos não há vantagem em manter um casamento onde não haja conexão emocional. Alguém disse que não há nada melhor que um pai possa fazer por um filho do que amar a mãe dele e há um fundo de verdade nessa afirmação. As crianças aprendem muito cedo o que é o amor romântico e sentem-se profundamente incomodadas pela inexistência de demonstrações claras de afecto entre os pais. A paz podre é uma fonte de instabilidade emocional e um modelo de afectos desajustado. Se queremos que os nossos filhos sejam felizes, importa que lhes mostremos, na prática, que somos capazes de lutar pela nossa própria felicidade. Um divórcio é duro para todos mas é também uma oportunidade para que aqueles adultos mostrem às suas crianças que vamos sempre a tempo de recomeçar e que as crises também são oportunidades de crescimento individual.

Na sua opinião qual é o segredo para atingirmos a plena felicidade?

Aquilo que levamos desta vida são realmente os afectos, os laços que criamos e só a maturidade nos permite perceber que quanto mais damos, mais felizes e serenos nos sentimos. O isolamento social é uma fonte de angústia, de pensamentos negativos e de desesperança. Investir nas nossas relações afectivas, socializar, dar de nós é meio caminho andado para que nos sintamos conectados, para que nos sintamos úteis, para que sintamos que vale a pena andar por cá. Depois, cada pessoa pode e deve investir no autoconhecimento e, a partir daí, definir objectivos e lutar por eles. Os sonhos dão-nos motivação, força para continuar, mesmo perante as adversidades.

Como atrair o amor, a felicidade no relacionamento e alegria de viver a dois?

Todos nós conhecemos pessoas que parecem ter tudo para serem felizes, casais-modelo que parecem saídos de contos de fadas que, de um momento para o outro, se desfazem e nos roubam uma parte do nosso optimismo em relação ao amor romântico. Mas a verdade é que a felicidade não se mede pelas fotografias que publicamos nas redes sociais nem pelas descrições minuciosas de momentos exageradamente românticos. Somos felizes na medida em que fazemos escolhas que traduzem aquilo de que precisamos e na medida em que damos o nosso melhor para honrar os compromissos que assumimos. De nada nos vale, como já disse, dizer que se ama e não fazer praticamente nada para mostrar esse amor. As pessoas genuinamente bem-dispostas e alegres são quase sempre pessoas muito afectuosas, capazes de criar outros laços para além do romântico.

E como gerir as emoções no amor? Por vezes, esta não é uma tarefa fácil… qual é a melhor forma?

Sei que vou repetir-me mas a honestidade é fundamental. Não me refiro só à capacidade de dizer “a verdade”. Refiro-me, isso sim, à capacidade para reconhecermos aquilo que estamos a sentir e mostrar essas emoções de forma clara ao nosso cônjuge. Não raras vezes cedemos à tentação de agir impulsivamente e, em vez da tristeza que estamos a sentir, mostramos ira e impedimos que o outro empatize connosco e nos ajude. Cada um de nós tem muito poder sobre a própria felicidade e deve ser capaz de assumir essa responsabilidade. Eu não posso mudar o outro, mas posso e devo assumir os meus erros, mudar o meu comportamento e ajudar a pessoa de quem gosto a fazer o mesmo.

Acredita no amor à distância? A maioria destes relacionamentos tem um final feliz?

É muito mais difícil manter um amor à distância mas não é impossível. É verdade que não é para todos, é verdade que se corre mais riscos, mas existem casos de sucesso. São situações quase sempre temporárias, em que as pessoas se esforçam por “estar presentes” mesmo não estando e em que as despedidas são enfrentadas com muita dor mas com muito optimismo também. Os casos de distância permanente, em que não há a perspectiva de, a prazo, estar juntos a tempo inteiro, são mais raros e difíceis de gerir.

Tem conhecimento de alguns casos?

Sim, tenho conhecimento de alguns casos de sucesso mas devo dizer que trabalho com muitos casais cuja relação ficou negativamente marcada por esse afastamento temporário. Não é fácil lidar com o desamparo que não raras vezes se instala nestas situações.

Que mensagem gostaria de deixar a todos os portugueses que estão a viver um grande amor e aos que ainda não encontraram esse grande amor?

Pego numa mensagem que anda nas “bocas do mundo” e que tenho acarinhado: “Aproveitem a vida e ajudem-se uns aos outros”, que foi deixada pelo actor António Feio e que resume bem aquilo em que acredito. É preciso que deixemos de olhar para o nosso próprio umbigo e que dêmos mais de nós àqueles de quem gostamos. Viver uma grande paixão é fácil, como é fácil permitir que o tempo dê lugar ao vazio. Viver um grande amor é muito mais difícil mas está ao alcance de todos – basta que valorizemos aquilo que temos, aqui e agora.
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