O Rui e a Carla estão casados há mais de 10 anos e têm duas filhas. Trabalham juntos mas as funções do Rui “obrigam-no” a viagens frequentes. A verdade é que estas viagens poderiam ser menos frequentes e em muitos casos até encurtadas mas cada temporada no exterior corresponde a um elevado retorno financeiro, que possibilita que a família viva em condições bastante acima da média. O Rui é um profissional muito bem sucedido na sua carreira mas chega a estar um mês e meio fora de casa. A Carla habituou-se a gerir a dinâmica familiar durante as ausências do marido, acumulando as funções de pai, mãe, profissional e dona de casa. Concordou com as escolhas do marido mas há vários anos que sente que falta alguma coisa. Sente-se desligada do marido. Nos últimos anos a intimidade deteriorou-se. Ao longo dos primeiros anos, desculpava-se dizendo a si mesma que o marido tinha de trabalhar muito mas era um bom pai e um bom companheiro. De vez em quando queixava-se da solidão, do desamparo, da sobrecarga e partilhava as suas necessidades com o marido: Dizia-lhe que precisava de mais atenção, de mais carinho, de mais tempo a dois. Quando o Rui voltava de uma viagem, tentava mudar o seu comportamento mas ao fim de duas ou três semanas tudo voltava ao “normal”. Às vezes zangava-se e acusava a mulher de não estar satisfeita com nada. Afinal, ele estava a trabalhar “para a família” e não a “passear na praia”. Por que é que o que ele fazia não era suficiente? A Carla acabava por sentir-se culpada e recuava, ainda que se sentisse insatisfeita na relação.
Ao completarem 10 anos de casados, depois de inúmeras discussões acerca desta dinâmica, a Carla expressou a sua saturação. Começou a sentir-se ignorada, rejeitada e enraivecida. Cansada de ver as suas necessidades por preencher e por sentir que o marido não a ouve, pediu o divórcio.
O Rui entrou em pânico. Ama a mulher e não quer perdê-la. Tão pouco quer perder a sua família. Disse-lhe que estaria disposto a fazer tudo para que o casamento resultasse. Pediu desculpa pelos anos de negligência e prometeu mudanças sólidas. Neste caso, como em tantos que tenho acompanhado, a ameaça de divórcio funcionou como um alarme, um despertar para a realidade – o Rui percebeu que depositou muita energia no seu percurso profissional, colocando o seu casamento (e as necessidades da sua mulher) em segundo plano. Agora está disposto a fazer terapia conjugal, ainda que a mulher lho tenha pedido tantas vezes e ele sempre se tenha recusado. Mas é tarde. É verdade que a Carla aceitou vir à consulta, mas fê-lo por pena do marido, que está obviamente a sofrer. Sente-se culpada por vê-lo assim, sente-se triste pelo fim da relação porque tentou que as coisas resultassem durante muitos anos mas foi desistindo, chegando a um ponto em que se desconectou. A terapia conjugal já não vai resultar porque a Carla está emocionalmente divorciada do marido. Tem medo do que a família alargada possa dizer, tem medo da reacção das filhas ao facto de ser ela a querer separar-se mas está segura de que não há retorno.
Por que partilho este exemplo? Porque tenho assistido a muitos casos assim, em que o marido se esgota a trabalhar, seguro de que esse é o seu dever enquanto pai de família. Como as necessidades de uma família não se resumem aos bens materiais, a presença física acaba por ser reclamada quer pela mulher quer pelas crianças. No casamento, as necessidades de ambos precisam de ser claramente expostas e precisam de uma resposta efectiva. É preciso afecto, tempo, compromisso e atenção.