Partilho hoje a entrevista que concedi a revista Sábado referente ao tema "Como dizer ao outro que quero o divórcio".
1 – Que conselhos práticos dá a quem a procura para questões de divórcio?
De um modo geral, as pessoas que me procuram buscam uma ajuda que lhes permita evitar o divórcio. Pontualmente chegam até mim casos em que a decisão já está tomada mas em que, por algum motivo, ainda não foi assumida - perante o cônjuge ou perante os filhos. O meu papel não é o de dar conselhos. Ainda assim, procuro ser clara em relação às questões que me são colocadas. Por exemplo, são relativamente frequentes os casos em que o divórcio emocional já aconteceu mas em que a pessoa que se sente distante daquela realidade familiar teme ferir o cônjuge ou teme pela estabilidade das crianças. Também existem alguns casos em que aquilo que se procura é uma espécie de validação, uma confirmação do estado daquela relação. Naturalmente, não me compete tomar decisões por ninguém nem tão-pouco discernir sobre os sentimentos que ainda existem. Compete-me, isso sim, funcionar como um agente facilitador das decisões que têm de ser tomadas. Mesmo quando uma pessoa se sente muito distante do seu cônjuge, mesmo quando já não há volta a dar, podem existir sentimentos de culpa e/ou de pena, que acabam por atrasar a ruptura e prolongar o sofrimento de todos os membros da família. Neste caso, o meu papel também passa por esclarecer, desconstruir algumas crenças irracionais e, claro, promover a estabilidade emocional de quem se sente normalmente devastado.
Importa que quem está a passar por uma separação compreenda que a sua tristeza é "natural" porque este é, efectivamente, um acontecimento muito stressante no ciclo de vida de uma família. Aceitar as próprias emoções é fundamental para que cada membro da família possa gerir a situação de forma eficaz socorrendo-se dos recursos de que dispõe. Isso passa por ser capaz de partilhar factos e emoções com familiares e amigos em vez de sucumbir ao isolamento social mas também passa por estar atento às necessidades das crianças.
2 – Acha que uma pessoa, quando pede o divórcio, pondera a questão durante muito tempo (antes de o fazer)?
Ao contrário do que possa pensar-se, até em função de uma certa banalização do divórcio, as rupturas não acontecem da noite para o dia – muito menos quando há filhos. Entre a deterioração da relação até à completa resolução do divórcio decorrem em média 2 anos. Claro que existem especificidades inerentes a cada família mas o que importa reter é que, ainda que os membros do casal nem sempre tenham noção dos sinais de deterioração do seu casamento, eles estão lá – primeiro sob a forma de braços-de-ferro e mais tarde sob a forma de um distanciamento estranho que não é mais do que a tradução da desistência de um deles. Este distanciamento é muitas vezes confundido com a inexistência de problemas mas é o início do fim.
3 - Qual a melhor forma de dizer ao companheiro/a que se quer o divórcio?
Não há uma forma simpática para terminar uma relação. Mesmo quando ambos sentem que a situação é irreversível e que o divórcio é o passo mais sensato, é praticamente inevitável sentir-se uma certa frustração. Para a generalidade das pessoas o casamento funciona como um projecto de vida e quando há filhos é muito difícil assumir que o projecto falhou. É também por isso que há sentimentos de culpa – os cônjuges culpam-se por não serem capazes de prover aos filhos um ambiente familiar tradicional.
Ainda que haja algumas pessoas que se surpreendem com o pedido de divórcio do seu cônjuge, na maioria das situações a ruptura acaba por não constituir propriamente uma surpresa. Afinal, se um está profundamente insatisfeito na relação, é praticamente impossível que o outro se sinta feliz. Claro que as pessoas têm timings diferentes e a certeza de um pode embater na resistência do outro mas, de um modo geral, as pessoas acabam por falar neste assunto expondo os seus sentimentos.
4 – Em que altura se deve contar aos filhos?
Infelizmente, deparo-me muitas vezes com situações em que os pais escolhem falar com as crianças numa altura em que estas já foram muito expostas à ruptura. Ainda que a maior parte dos pais e mães dê o seu melhor no sentido de garantir a estabilidade dos filhos, são relativamente frequentes os casos em que as crianças se sentem desamparadas porque sabem que os pais vão separar-se mas não se sentem seguras para colocar as suas dúvidas. Há uma espécie de pacto em que as crianças escolhem respeitar o silêncio dos pais.
Noutros casos aquilo que me preocupa é o facto de serem as próprias crianças a propor o divórcio dos pais. Estes pedidos surgem na sequência da exposição a situações de conflito intenso, em que a criança se sente desprotegida e vê na separação uma oportunidade para reaver a paz.
Importa que os pais possam ser honestos com as suas crianças adaptando o seu discurso à idade dos filhos. Não faz sentido falar em divórcio quando essa é ainda uma hipótese mas também não faz sentido não dizer nada às crianças. Os filhos precisam de se sentir seguros e isso passa por existir um ambiente confortável em que se possa falar abertamente sobre as emoções.
Depois de a decisão estar tomada, e na medida do possível, as crianças devem ter oportunidade de conversar com os dois progenitores em simultâneo. Importa que os filhos interiorizem que o papá e a mamã já não conseguem viver na mesma casa mas que continuarão ambos presentes nas suas vidas. Além disso, para que não haja conflitos de lealdade, as crianças devem ter oportunidade de colocar todas as suas dúvidas. Mesmo que os pormenores não estejam todos definidos, o que importa é transmitir-lhes segurança emocional, explicando que os pais serão capazes de conversar e chegar a acordo quanto a todas as questões, mesmo que, para já, ainda não saibam responder a algumas perguntas.