A televisão mudou o mundo, facilitando o acesso à informação e ao entretenimento. Com ela vieram as histórias de amor, os filmes dramáticos e as telenovelas, que nos entretêm e condicionam a forma como olhamos para a vida. Em comum estas formas tão diferentes de ficção têm o facto de nos “bombardearem” com finais felizes. A última coisa que esperamos quando nos sentamos no sofá para assistir a um filme é que este acabe mal. Até as histórias baseadas em factos verídicos cumprem o propósito de nos presentear com um final glorioso. Sem que tenhamos total consciência deste fenómeno, passámos a olhar para a vida à espera de finais assim – recheados de sorrisos e de satisfação plena.
Ainda que cada um de nós carregue as próprias feridas e traumas, acalentamos a esperança de que, de uma forma ou de outra, um dia todas as mágoas se desvaneçam e possamos ser felizes por inteiro. À medida que esgotamos alternativas mais ou menos razoáveis de resolução de problemas acumulamos desapontamento e frustração. Até a ajuda médica e psicoterapêutica parece infrutífera quando o objectivo é vermo-nos livres, de forma permanente e radical, de qualquer sofrimento.
É com certeza saudável que alguém que perdeu um familiar próximo ou que sofreu algum tipo de abusos queira ver-se livre do estado depressivo em que se encontra. Não há nada de utópico em querermos tomar as rédeas da nossa vida apesar dos traumas por que passámos. Mas não podemos/ devemos esperar que a tristeza desapareça totalmente. Do mesmo modo que a perda de um pai pode ser lembrada com muita tristeza aquando do seu aniversário, mesmo que tenham passado 10 anos sobre a sua morte, é expectável que um adulto que cresceu sob a influência de um pai alcoólico possa sentir-se fragilizado de tempos a tempos. Sentirmo-nos tristes PONTUALMENTE é muito diferente de estarmos deprimidos. Não há nada de errado em chorar de saudade ou de tristeza, nem isso nos impede de sermos pessoas felizes.
As pessoas que pedem ajuda psicológica na sequência de um transtorno depressivo ou ansioso só poderiam esperar esquecer-se de todos os seus traumas se sofressem algum tipo de amnésia. E mesmo esse cenário surreal não lhes permitiria estar permanentemente num estado de alegria contagiante. Os momentos de glória e preenchimento afectivo que existem nas histórias da TV e do cinema também podem fazer parte do nosso percurso de vida mas são pontuais e não devem ser confundidos com aquilo que é a felicidade verdadeira.
As pessoas felizes não andam todos os dias de mão dada com o companheiro com um sorriso de orelha a orelha em direcção ao pôr-do-sol nem caminham diariamente com a sensação de que têm o melhor emprego do mundo. Muito menos ambicionam apagar as suas vulnerabilidades e os obstáculos que tiveram de ultrapassar.
Enquanto humanos temos a capacidade de gerir as nossas memórias afectivas de modo a que estas não nos impeçam de continuar a sonhar, de continuar a lutar por determinados objectivos mas isso não passa por apagar o nosso passado. Na verdade, algo está muito errado quando alguém reprime as suas memórias mais negativas.
Por exemplo, é normal que uma criança que é vítima de abusos sexuais por parte do pai reprima a sua tristeza – esse é um mecanismo de defesa que lhe permite sobreviver. Afastar os pensamentos mais negativos é, neste caso, uma importante estratégia de sobrevivência. Mas este mecanismo torna-se disfuncional a partir do momento em que, na idade adulta, impede aquela pessoa de se conhecer a si mesma e de se relacionar afectivamente com outras pessoas.
Esperar que a vida nos presenteie com um final feliz, sem medos nem preocupações, como se estes pudessem ser colocados numa caixa fechada a sete chaves não é só utópico, é perigoso na medida em que pode impedir-nos de apreciar o lado mais positivo da vida e das relações afectivas. Afinal, aqueles que se sentem felizes e realizados também experimentam dor, tristeza e mágoa.
Cada pessoa que passa por um processo terapêutico evolui de maneira diferente. Sentirmo-nos curados de uma depressão ou de qualquer outra perturbação emocional não acontece de forma mágica nem instantânea. Em muitos casos é preciso atravessar diferentes etapas, algumas marcadas pela dor, outras em que a sensação de perda é mais evidente. Quando o paciente encontra um terapeuta com quem se sente conectado é mais fácil expressar e gerir as emoções, mesmo as mais negativas, e elevar as expectativas. O pânico e a depressão não dão lugar à euforia permanente mas antes à calma. Esta serenidade até pode ser pontualmente abalada por medos e mágoas mas a pessoa aprende a gerir o desconforto de forma célere e eficaz.