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28.6.11

AMUOS NA RELAÇÃO CONJUGAL – QUANDO OS ADULTOS FAZEM BIRRA

Seguiam animadamente para um passeio em família quando, depois de o Manuel ter decidido que seria melhor interromper a viagem para poupar o irmão à exposição solar, a Maria, sua mulher, trocou os sorrisos e as divertidas interlocuções por respostas monossilábicas e um rosto fechado. Aflito, o marido procurou espicaçá-la mas a ausência de uma reacção simétrica deu lugar à sua própria frustração. Sentia-se melindrado com a birra da mulher, irritado com o facto de ela ter amuado por ver a sua vontade contrariada e enfurecido com a ideia de este silêncio estar a perturbar o seu irmão. A páginas tantas, desistiu de a animar, desistiu de tentar perceber o silêncio perturbador e fechou-se também sobre si mesmo. A tarde ficara irremediavelmente estragada e ainda teve de lidar com perguntas constrangedoras do irmão que se interrogara sobre a sua responsabilidade no episódio – “Será que a Maria ficou aborrecida por não termos feito o que estava combinado? É tudo culpa minha… Se eu não tivesse ido convosco, nada disto teria acontecido”. O tormento do irmão enfureceu ainda mais o Manuel, que estava definitivamente zangado com a mulher. Mais tarde, depois de muita tensão, pôde finalmente compreender o ciclo de vulnerabilidades que deu origem a tanto mal-estar: Aquando da tomada de decisão, o Manuel optou por desistir do que estava combinado porque estava preocupado com o irmão, que sofre de uma condição física que o impede de se expor a temperaturas muito elevadas mas não terá sido claro a esse respeito com a mulher. A Maria sentiu-se desrespeitada e infantilizada, já que, desconhecendo a dimensão do problema do cunhado, pensou que o marido estaria a impor uma decisão sem a consultar. De repente, sentiu-se exactamente como no passado quando o pai, extremamente autoritário, impunha a sua vontade e a impedia de se pronunciar. O cenário era muito semelhante a outros por que passara, a sensação de asfixia e diminuição também, ainda que o “carrasco” fosse outro. O bloqueio emocional levou-a a fechar-se sobre si mesma, ao mesmo tempo que ruminava sobre o comportamento do marido “Como é que ele pode tratar-me desta maneira? Não posso permitir que me infantilize! Ainda por cima, à frente do irmão. Casei com um déspota!”.

Todos nós temos vulnerabilidades, traumas, feridas emocionais. Esses pontos fracos constituem os nossos verdadeiros “defeitos”, as limitações que nos tornam mais desafiantes (e às vezes insuportáveis) aos olhos do cônjuge. Quando a pessoa que amamos toca, mesmo que involuntariamente, num desses pontos fracos, é usual que reajamos de forma automática, impulsiva, primitiva, como se tivéssemos de nos defender de algo muito perigoso. Nesses momentos fechamo-nos sobre nós mesmos sentindo a mesma raiva que sentíamos em relação aos nossos pais quando éramos crianças. Racionalmente não há nada de semelhante entre o cenário actual e os episódios traumáticos. E muito menos faz sentido que o cônjuge seja tratado como se fosse o nosso carrasco. Quando amuamos, podemos fazê-lo de forma automática e defensiva, mas ignoramos (desprezamos?) o mal-estar que este padrão comportamental gera no cônjuge e os danos que daí resultam para a relação conjugal.

Aprender a lidar com as nossas próprias vulnerabilidades não passa por pedir ao cônjuge que nos aceite tal como somos e que tolere as nossas birras. Passa, isso sim, por sermos capazes de trabalhar as emoções associadas às feridas emocionais, por empatizar com aqueles que estão à nossa volta e que não merecem ser castigados com silêncios ensurdecedores e por exteriorizar de forma assertiva a nossa tristeza e/ou a nossa raiva, dando oportunidade ao outro, em tempo real, para nos acalmar e ajudar a ultrapassar o bloqueio emocional. É preciso libertarmo-nos das armadilhas que nos mantêm presos a padrões comportamentais infantis e permitirmo-nos crescer.

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