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15.6.11

CARTA DE AUTO-ESTIMA

No âmbito da terapia narrativa, de que já falei aqui, é usual propor aos meus pacientes alguns exercícios escritos que promovam a reflexão e o crescimento entre consultas. Um dos exercícios que proponho com regularidade é a "Carta de Auto-estima", em que se pretende que aquela pessoa escreva a si mesma numa perspectiva positiva, optimista. Para quem está deprimido pode ser muito difícil reconhecer as suas próprias qualidades, as suas conquistas, as batalhas vencidas até aqui. Mas com esforço e, sobretudo, com a ajuda certa, os resultados podem ser frutíferos. Hoje decidi partilhar uma dessas cartas. Porque me sensibilizou, porque reflecte a força de alguém que, mesmo que nem sempre tenha sido capaz de o reconhecer, tem muito, muito para dar e faz MESMO muita falta.

Cara Helena,

És única. Todas as pessoas são únicas. Tens uma personalidade especial, uma sensibilidade especial para avaliar o mundo, as pessoas, as pequenas coisas e a ti própria. Tens uma identidade única. Um conjunto de valores, por vezes, estranhos aos demais, pautam a tua conduta e a tua maneira de encarar a realidade e os sonhos. És uma artista. A arte é o que te dá mais prazer. Transformar uma tela em branco num conjunto de cores e personagens cheios de significado. Representar, fazer rir os outros. Transformar uma folha branca de papel em poesia, em doces palavras que se lêem com uma sede insaciável. Mas nem sempre essas palavras são doces, aos olhos de muitos. Amargam na boca como um café sem açúcar. Alguns cospem-no, outros apreciam-no. São as amarguras da própria vida que, para alguns são frustrações, motivos de desânimo, de tristeza, fraqueza, desmotivação, pessimismo. Para outros, são factores fortalecedores, que alimentam a existência de experiências que os lembram de que estão vivos e que se transformam em fontes de orgulho e prazer pela capacidade em ultrapassar essas amarguras com um sorriso nos lábios. A verdade é que, para ti, Helena, essas amarguras são uma coisa e outra. Por vezes, fortalecem-te e por vezes, consomem toda a tua energia para acreditares num futuro próspero. Ainda assim, estás viva. Tens sobrevivido à tentação de desistir perante todas as adversidades que se te apresentaram e continuas a estabelecer metas e objectivos a curto e longo prazo. Continuas a sonhar. Sonhos que parecem muito distantes para muitos e que disso não passarão. Mas tu, Helena, acreditas na tua coragem para os concretizar. E pensas, pensas muito. Talvez até demasiado. No passado, no presente, no futuro, na vida terrena, na vida espiritual, na morte. O que é a morte, afinal? É um fim. Mas poderá ela ser ao mesmo tempo um início de algo? Será uma transição para um outro estado que existe para além daquilo que o conhecimento científico actual nos dá a conhecer? Será o suicídio uma cobardia? Um acto de coragem? Uma antecipação para a tal “transição”? Parece-me que corresponde a um estado de insatisfação com a vida presente, a uma ansiedade pela mudança. Uma fuga, quando nos parece que a mudança que se pretende é inatingível….mas nunca é. Não pode ser. Pelo menos, sem se tentar revirar a própria vida em busca de um tal sonho que parece utópico ou demasiado arriscado. Viver é escolher. Viver é valorizar. A morte não permite escolha alguma. Todos os valores desaparecem, sensações, sentimentos de alegria, tristeza. Fica a memória naqueles que por cá continuam e, talvez, a esperança de que existe um outro mundo do outro lado do espelho. E que o falecido está lá, em espírito, a fazer sabe-se lá o quê, a sentir, a olhar pelos que ama. Nada sabemos acerca disso. Ninguém, nesta vida como a conhecemos, está certo ou está errado. Cada um tem os seus pontos de vista, os seus valores, a sua forma de encarar a vida e a morte. Fruto da herança social e cultural. Fruto da história. Fruto dos valores religiosos. Fruto desta nossa sociedade, que vive segundo parâmetros materiais. Escravos do poder político, escravos de um sistema monetário. Acomodados à ideia de que é assim que as coisas são, de que é assim que as coisas podem e devem funcionar e que não há outro caminho. Escravos…inconscientes de que o são. Eu sei que não queres ser mais uma escrava e que a vida recheada de materialismo, poder e futilidades faz-te sentir frustrada…por seres tão pequena para lutar contra isso, mas com uma réstia de esperança que mora na existência de um (pequeno) conjunto de pessoas que têm as mesmas ambições. Um pequeno grupo crescente, mas que se move de um modo demasiado lento, porque são muitos os obstáculos, e não tens fé de um dia poderes viver nessa sociedade que, para muitos, não passa de uma utopia. Mas és corajosa. És forte. Construíste um grande castelo, sozinha, a partir de pequenos grãos da areia, que transformaste em sólidas rochas, no meio de um imenso deserto. E habita-lo, todos os dias. E partilha-lo com aqueles que amas.
Línguas, Direito, Enfermagem: cursos que tens, que frequentas e que queres frequentar. Línguas, porque assim “calhou”, aos teus 17 anos, em que andavas à deriva, sem saberes bem aquilo que querias. Ora a querer tudo, ora a querer nada. Muitas vezes, abstivestes-te de estudar para os testes por pensares no dito suicídio :”de que me vale estar a esforçar-me, a perder tempo e a queimar neurónios a estudar, se nem sequer vou usufruir deste curso, porque vou desaparecer entretanto?” Pois é…mais de 10 anos passaram e tu por cá continuas a debater-te com a vida e com a morte. Agora a estudar Direito. Porque gostas, porque é bom saber. Porque tens jeito, vocação e muita gente o confirma. Poderás ser uma grande advogada ou juíza, talvez. Poderás nem exercer, mas o conhecimento, esse fica guardado, pronto a utilizar em todos os problemas jurídicos que surjam no teu quotidiano e daqueles que gostas e que queres ajudar. E porque gostas de ajudar, todos os meios que estiverem ao teu alcance, não os queres desperdiçar. Enfermagem. Porque podes ajudar os outros. Porque gostas e tens coragem para enfrentar as situações mais difíceis que possam surgir: os feridos graves, os doentes mais maltratados, os idosos abandonados, as amarguras de muita gente…Por outro lado, é mais uma porta que se abre, a Enfermagem. Podes trabalhar em qualquer parte do mundo, se decidires partir em busca de experiências do outro lado do planeta. Austrália. Um sonho a alcançar.
O F. O filho de uma mãe jovem, que casou e que se divorciou. Tudo muito cedo, muito rápido. Pela necessidade emocional de ter uma família, o teu próprio núcleo familiar, onde poderias sentir a segurança que durante tanto tempo te faltou e onde poderias dar de ti ao teu filho. Tudo isso se desmoronou…nem sequer existiu, a segurança, o núcleo familiar, coeso e feliz. E deixaste para trás a terra onde foste criada. Tiveste a coragem de dizer “não” a um emprego sólido para alargares os teus horizontes para a capital. Pegaste no teu filho e vieste para Lisboa. Foi, mais uma vez o estímulo da busca pela segurança num núcleo familiar que te impulsionou para esse passo, mas foi também a vontade de mudar, de crescer por dentro. Viveste com a pessoa que te ofereceu 5 anos de bom humor, esperança, mas plenos de uma grande carga psicológica negativa, misturados com episódios de violência física, que te conduziram a um sentimento de culpa cada vez mais profundo. Foi verdadeiramente mau. Sentias que não conseguias libertar-te dessa pessoa, que alimentava uma doença dentro de ti. Sentias-te incapaz de ter uma relação harmoniosa e feliz com quem quer que fosse. Não acreditavas nos homens, mas, sobretudo, não acreditavas em ti e no teu valor imensurável. Foi o S., a primeira pessoa que o disse, por essas mesmas palavras “tens um valor imensurável” e “só mereces tudo de bom, que te tratem bem e que sejas feliz”, “tens um coração gigante”. Pois…ele disse isso tudo e muito mais. Foi quem fez nascer a tua auto-estima, a tua auto-confiança, fez-te perceber que se as relações não resultam, não quer isso dizer que a culpa é tua. Não resultou com ele, porque ele era apenas uma ponte para a margem do teu auto-conhecimento e valorização. Era essa a missão dele para contigo. E a tua missão para com ele foi apresentar-lhe o “amor”, algo que ele desconhecia em todas as suas vertentes. Mas tudo terminou. As missões terminaram, mas ainda havia muito trabalho por fazer para que a missão dele ficasse concluída. Mas ensinou-te o abecedário. Agora, cabe-te a ti juntar as letras e contruir palavras e frases e textos e livros. Surgiu o J. Aquela pessoa especial que sempre desejaste ter a teu lado. Afectuoso, preocupado, fiel, bem formado, mas com alguma dificuldade em entender pontos de vista diferentes dos dele. Nada de grave. Nada que não se possa limar. É tão preocupado contigo, que, por vezes, parece querer colocar-te dentro de uma caixinha bem fechada, longe de tudo o que ele considera ser perigoso para ti. È como se fosses uma pequena criança aos olhos dele, que necessita de permanente orientação e protecção. Mas tens 31 anos de vida, muitas experiências vividas, e, embora te faça falta sentir uma certa protecção, consideras-te, e com razão, capaz de tomar as tuas próprias decisões, de manobrar o leme do teu navio. És muito inteligente, desenrascada, capaz de dar a volta às piores situações. Sempre conseguiste atingir os teus objectivos profissionais, mas aquilo que é mais importante para ti é a família, os valores, a humanidade, a espiritualidade, o amor, a saúde e felicidade daqueles que amas, embora devesses englobar-te a ti própria nesse pacote. Muitas vezes excluis-te do direito de ser feliz, deixas-te invadir por pensamentos pessimistas, que não te levam a lado nenhum. Só te fazem permanecer no fundo do buraco onde a tua alma tem vivido. São subidas e descidas intermitentes que ora te levam à escuridão desse poço, ora te fazem vislumbrar a luz da vida, o verde, as mais belas paisagens e cores. Está na hora de sair daí. Já chega. O mundo é muito mais bonito visto cá de cima, bem longe desse poço sem água. Liberta-te dos medos. Há muitos poços pelo caminho, podes não conseguir evitar cair em alguns, mas conseguirás sempre sair de todos eles, por mais profundos que te pareçam ser. É a assim a vida de todos, com subidas e descidas, mas o mais importante é nunca desistir de subir. Sobe, Helena, eu dou-te a mão, se não conseguires sozinha. Mas eu sei que és suficientemente forte para conseguires sair daí de dentro sem ajuda de ninguém. Tu é que não queres. Não tens querido. Mas já chega, deixa-te de m….. e põe-te a andar! Há uma festa enorme e luminosa cá fora! Vem aproveitá-la! Muita música e muita alegria e o convite é para toda a gente! J

Beijinhos da outra Helena! J

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