Não é por acaso que nos habituámos a ouvir histórias mais ou menos
tenebrosas a respeito de dificuldades de relacionamento entre um dos membros do
casal e a sogra. De um modo geral, estas pessoas queixam-se porque a sogra é metediça ou porque, aos seus olhos, tem
uma influência excessiva sobre o cônjuge, limitando a liberdade conjugal. Mas
de que falamos quando falamos de sogras metediças? De quem será a
responsabilidade sobre esta forma de emaranhamento? E a quem compete repor a
nitidez das fronteiras?
Antes de mais, importa clarificar que entre o jovem casal e as
respectivas famílias de origem podem existir três tipos de fronteiras:
- Fronteiras nítidas -
há abertura suficiente para que as duas partes se sintam apoiadas mas cada
família é responsável pela aplicação de regras próprias. Os limites são claros
e ninguém se sente excessivamente condicionado ou dependente. Há laços
afectivos que são alimentados de várias formas.
- Fronteiras difusas -
neste caso há sérias dificuldades em perceber onde começa e acaba o papel de
cada um. É frequente que pelo menos um dos cônjuges sinta que a sua privacidade
é constantemente invadida pela presença física ou pela influência dos sogros em
tomadas de decisão que, aos seus olhos, deveriam competir apenas ao casal.
- Fronteiras rígidas -
a existência de episódios emocionalmente negativos pode estar na origem desta
situação, que leva a que existam laços formais entre o casal e as respectivas
famílias de origem mas não exista proximidade suficiente para que as pessoas se
sintam amparadas. Há uma aparente necessidade de centração na própria família
nuclear (cônjuge e filhos) e uma tentativa de manter os sogros e o resto da
família alargada longe de qualquer intimidade.
Sempre que duas pessoas se juntam para formar uma família
enfrentam, entre outros desafios, a necessária adaptação à herança que cada uma
traz em termos de hábitos familiares. Daqui resulta a necessidade de diálogo,
negociação, tolerância e, claro, definição clara das regras e hábitos que
nortearão aquele casal (e que não
devem corresponder à "importação" dos hábitos e regras de um dos
lados). Os primeiros anos de relacionamento podem incluir alguns
braços-de-ferro ou lutas de poder que, mais cedo ou mais tarde, dão lugar a
cedências e à interiorização de que, para que a nova família evolua, é preciso que ambos abram mão de algumas
convicções.
Muitas vezes quando duas pessoas se apaixonam e desejam construir
um projecto familiar sólido enfrentam diferenças
abismais na forma como se relacionam com as famílias de origem. Porque há
um que telefona todos os dias aos pais e/ou interrompe rituais a dois para
atender telefonemas aparentemente sem importância que teimam em prolongar-se
enquanto o outro acha mais normal e saudável que se telefone uma vez por semana
para matar saudades e mandar beijinhos. Porque há um que considera aceitável
que os seus pais os ajudem financeiramente ainda que isso implique que se
sintam no direito de opinar sobre o que (não) deve ser comprado lá para casa
enquanto o outro se sente ultrajado com a ideia de dar satisfações aos sogros
sobre a gestão financeira da família. Porque para um faz sentido que os pais
possam ter a chave de casa e "visitá-los" sempre que quiserem,
sobretudo porque isso implica uma ajuda importante com as tarefas domésticas e
os cuidados com as crianças enquanto o outro se sente sufocado dentro da
própria casa.
Se é verdade que as regras de uma família devem ser co-construídas
pelos membros do casal, também é certo que, quando as coisas não funcionam e as
discussões sobre o tema tomam conta do quotidiano familiar é tempo de recorrer
à ajuda da terapia familiar para repor a harmonia (e, claro, as fronteiras). E
a reposição dos limites começa no comportamento dos filhos – não é à nora ou ao
genro que compete impor novas regras aos respectivos sogros, agudizando as
dificuldades na relação. É aos filhos que compete traçar fronteiras claras de
modo a garantir a sobrevivência da sua própria família.
Nem sempre é fácil reconhecer os sinais de emaranhamento e muito
menos ser solidário para com as queixas do cônjuge. Mas só se os problemas
forem identificados e as necessidades de cada um forem consideradas é possível
avançar para as mudanças que promovam o bem-estar de toda a família. Muitas
vezes um dos membros do casal vive com medo de magoar os próprios pais e, por
isso, protela decisões importantes. Mas o preço a pagar pode ser o fracasso do
próprio projecto familiar.
Sendo muitas vezes difícil repor os limites saudáveis, não é
impossível. Sobretudo porque não é de distanciamento afectivo que falamos, mas
do estabelecimento de regras que facilitem a exteriorização dos afectos. Porque
a união familiar não equivale ao
emaranhamento dos papéis. Porque quem
ama respeita o espaço do outro. E porque os pais têm de viver as suas vidas
em vez de tentarem viver através das vidas dos filhos.