Não sei o que me surpreende mais nestes casos – se a existência de
comportamentos violentos que se prolongam ao longo do tempo e com os quais a
mulher, de uma forma ou de outra, condescende, se o facto de estas mulheres
considerarem que “se tirarmos estes
episódios, ele é um marido perfeito”. Não existem maridos nem mulheres
perfeitas e as pessoas casadas ou que vivam um compromisso sério devem ser
tolerantes em relação aos defeitos da pessoa amada mas isso não inclui a permissividade/ passividade em
relação a qualquer forma de violência. Não há nada de saudável numa relação
que é pontuada por episódios de agressividade e tentativas de humilhação do
cônjuge. De resto, estes episódios deterioram de tal forma a auto-estima do
cônjuge agredido que, a páginas tantas, é praticamente impossível discernir
sobre o que é e o que não é aceitável.
Há relativamente pouco tempo uma mulher queixava-se em terapia do
facto de o marido, apesar de ser um profissional respeitado e sociável, capaz
de criar laços em diversos contextos, ser muito
crítico em relação às amigas dela. Sem dar por isso, a senhora permitiu que
estas críticas condicionassem de forma séria o seu comportamento, na medida em
que, de forma gradual, deixou de convidar estas pessoas para ir lá a casa, as
saídas começaram a ser cada vez mais raras e até a partilha dos problemas
deixou de ser feita com aquelas em quem antes confiava. Sem perceber, cedera à
pressão do marido, tentando que ele não ficasse “indisposto” com uma visita,
condescendendo em relação a exigências como “não fales da tua vida privada com essas pessoas”. Pouco a pouco,
esta mulher ficou limitada em termos sociais e a situação agravou-se depois de
o marido sugerir que ela deixasse de trabalhar para ficar em casa com as
crianças. A mulher sociável e independente de outrora deu lugar a alguém cuja
insegurança chegou ao ponto de depender de uma pequena mesada do marido para
comprar alguma coisa para si. A sua vida passou a ser controlada por outrem.
De um modo geral, estes agressores são descritos como profissionais, amigos, vizinhos
“impecáveis”. O seu comportamento em público é irrepreensível e, também por
isso, torna-se difícil fazer queixas e receber crédito. Até em termos
familiares estas mulheres ouvem muitas vezes coisas como “talvez estejas a
exagerar, ele farta-se de trabalhar e é tão bom marido…”, o que alimenta o
ciclo vicioso.
Nenhuma relação afectiva deve incluir qualquer forma de violência,
pelo que os gestos intempestivos, o exercício de controlo e os comentários que
traduzam humilhação devem ser imediatamente
travados. O agressor deve estar ciente de que estes são comportamentos que
traduzem falta de respeito pelo outro e que não podem ser tolerados. As marcas
que resultam da condescendência em relação à violência emocional são
potencialmente lesivas do amor-próprio do cônjuge agressivo, bem como dos
filhos do casal.