Todos nós conhecemos pessoas que descrevemos como “impecáveis”,
leia-se, “bonitas, inteligentes, trabalhadoras, interessantes…” e que, por
algum motivo, se mantêm solteiras. Não me refiro àquelas que o fazem por opção,
mas antes àquele amigo ou àquela amiga que está há vários anos em busca da
“alma gémea”. São pessoas aparentemente desejosas de encontrar um companheiro
com quem possam construir uma relação sólida mas a quem parece faltar uma
pontinha de sorte. Porque as pessoas com quem se relacionaram eram autênticos
trastes. Ou porque os relacionamentos amorosos tendem a terminar de forma
precoce. Ou ainda porque aquela pessoa parece ter uma pontaria para relações
impossíveis.
De um modo geral, aquilo que verifico em sede de terapia é que
aquilo a que tantas vezes se chama falta de sorte tem sobretudo a ver com as
competências e vulnerabilidades da própria pessoa. Claro que as queixas residem
quase sempre no sexo oposto: as mulheres reclamam porque os homens com quem se
relacionam são egoístas, só estão interessados na parte física e descuram a
intimidade emocional; os homens queixam-se de mulheres fúteis, superficiais,
mais interessadas na parte material do que em construir uma relação séria.
Independentemente do percurso individual de cada um e dos
pormenores que caracterizam cada processo terapêutico, é bastante óbvio que
estes ciclos viciosos são antes de mais fruto de algumas crenças irracionais
profundamente enraizadas. Por exemplo, quando um pai ou uma mãe rotula
sistematicamente o seu filho de “burro”, alimenta uma forma distorcida de
autoconceito. Aquela experiência pode ser determinante para que a criança, mais
tarde adulta, se sinta insegura acerca das suas capacidades, mesmo quando
confrontada com exemplos contrários.
Porquê? Porque a forma como olhamos para nós, para os outros e
para a realidade é em larga medida toldada pelas experiências por que passamos.
Essas experiências podem levar-nos a interiorizar muitas crenças
racionais mas também são responsáveis pelo desenvolvimento de crenças
irracionais difíceis de desconstruir, mesmo com terapia. São esquemas mentais
inconscientes, que condicionam de forma automática o nosso pensamento e o nosso
comportamento, levando-nos a arriscar ou a desistir de sonhos e projectos.
Alguns destes esquemas resultam da forma como observamos a relação dos nossos
pais (enquanto somos crianças). Uma criança exposta a um ambiente familiar
instável pode assumir, na idade adulta, um padrão de evitação de relações de
compromisso “só” porque interiorizou que os relacionamentos amorosos são
perigosos. Este não é mais do que um mecanismo de defesa que se transformou num
padrão de comportamento disfuncional, inadequado mas de que a pessoa não tem
consciência. É por isso que a pessoa tende a repetir comportamentos e a
coleccionar relacionamentos que fracassam (e que a fazem sentir fracassada).
Existem vários mecanismos de defesa por detrás da dificuldade em
desenvolver um relacionamento sério. Relações afectivas (com os pais ou, mais
tarde, com o sexo oposto) marcadas pelo abandono,
privação emocional, violência (física ou psicológica), isolamento, dependência,
subjugação, pessimismo, inibição emocional, humilhação ou hipercriticismo
podem criar insegurança profunda, perda de auto-confiança e assunção de
comportamentos demasiado permissivos/ controladores/ instáveis.
Dependendo das experiências que “coleccionamos” – quer na
infância, quer na idade adulta -, os esquemas/ as crenças irracionais podem
levar a que seja tão difícil para algumas pessoas encontrar um parceiro. Estas
pessoas ambicionam uma relação íntima e calorosa mas, em função da forma
distorcida como percepcionam o mundo, não conseguem encontra-la.