Uma das questões com que sou mais frequentemente confrontada na terapia com famílias reconstituídas diz respeito à influência dos ex-cônjuges. De um modo geral, estar casado pela segunda vez implica alguns desafios extra, em particular quando há filhos da relação anterior.
Quase todas as pessoas gostariam de poder
começar uma história de amor partindo do zero,
sem que houvesse quaisquer contactos
com ex-maridos ou ex-mulheres.
Ora, quando uma pessoa se
apaixona por alguém que já foi casado e tem filhos dessa relação, isso é INVIÁVEL. Do divórcio podem resultar
alguns ressentimentos e a vontade de não voltar a ver o outro mas as
responsabilidades parentais obrigam à manutenção de uma comunicação eficaz e de
alguma cordialidade. Não sendo expectável que os ex-cônjuges construam
propriamente uma estreita amizade após a separação, o laço que partilham pode,
ainda assim, ser suficiente para abalar a segurança da relação que entretanto
começa.
Questões como
“SERÁ QUE ELE AINDA GOSTA DELA?”
podem assolar a cabeça de quem
(ainda) não se sente seguro na própria relação.
Com a passagem do tempo e,
sobretudo, com o amadurecimento da relação, é natural que as dúvidas se
dissipem e que a convivência entre todos os adultos envolvidos na educação das
crianças seja, pelo menos, cordial. Claro que há exceções:
- Quanto menos diálogo existir entre os membros do casal, maior será a
probabilidade de se acumularem tensões e equívocos;
- Quanto mais destrutivo tiver sido o processo de divórcio, maior será
a probabilidade de o(a) Ex tentar condicionar a nova relação.
Como as crianças são (mesmo) o
elo mais fraco nestas histórias, compete aos membros do casal manter o diálogo
franco e, a partir daí, criar as próprias regras de modo a garantir que a sua
relação seja protegida sem descurar o superior interesse dos filhos que
resultaram da relação anterior. Se for necessário, devem recorrer à ajuda da
terapia ou da mediação familiar.
Mas existem pedidos de ajuda que chegam
até mim e que não envolvem crianças.
Isto é, há casais que relatam dificuldades
de relacionamento motivadas pela manutenção dos contactos com o Ex sem que haja
filhos dessa relação. De um modo geral, a vinda à terapia é equacionada quando
as coisas fogem ao controlo dos membros do casal, o que implica que, não raras
vezes, já houve uma escalada de ciúmes/desconfiança.
Será legítimo que um dos membros do casal
mantenha uma amizade com o seu Ex
não havendo filhos desse casamento?
Se sim, quando é que os contactos passam
a ser perigosos para a relação atual?
Não há, como é compreensível, uma
resposta exata para estas questões. A verdade é que aquilo que deixa algumas
pessoas confortáveis pode gerar insegurança noutras, pelo que, mais uma vez, o
importante é falar abertamente sobre tudo.
Isto não quer dizer que não
possamos falar de regras mais ou menos universais. E uma das regras que deveria
prevalecer em qualquer relação conjugal é a colocação do companheiro no topo
das prioridades. Quando isto acontece, é mais fácil fazer cedências, incluindo
no que toca a este assunto.
A Mariana e o Pedro estão casados há cerca de dois anos. Este é o
segundo casamento do Pedro, que mantém até hoje uma relação de proximidade com
os sogros do primeiro casamento. Para ele, os pais da ex-mulher são, antes de
mais, amigos próximos, pessoas que admira e que muito contribuíram para a sua
estabilidade emocional no passado, pelo que não faria sentido interromper a
relação afetiva aquando do divórcio. No início da relação a Mariana sentia-se
desconfortável com esta proximidade, nomeadamente porque daí resultava a
necessidade de conviver pontualmente com a ex-mulher do Pedro. A passagem do
tempo e, sobretudo, as conversas francas e serenas que tiveram a propósito
deste tema, permitiram-lhe sentir-se segura apesar desta ligação. A Mariana
continua a não gostar muito dos convívios com a ex-mulher do Pedro – não porque
se sinta ameaçada, mas porque não há uma ligação afetiva – mas aceita que o
marido sinta vontade de visitar os pais da ex-mulher e acompanha-o nalgumas
dessas visitas.
***
O João e a Rita estão juntos há mais de cinco anos mas o tempo não
apaga as mágoas que ela guarda da proximidade entre o marido e a ex-mulher. O facto
de não existirem filhos daquele casamento é suficiente, aos olhos da Rita, para
evitar quaisquer contactos. No entanto, e ainda que não tenham voltado a
encontrar-se presencialmente, o João mantém o contacto telefónico com a
ex-mulher, contrariando a vontade da esposa. Segundo o João, não existe
qualquer laço afetivo nem há vontade (dele ou da ex-mulher) de construir uma
amizade mas existem assuntos em relação aos quais ele é a pessoa que melhor a
compreende e vice-versa. Para ele não há qualquer motivo para cortar relações
com a ex-mulher e a zanga da Rita não é mais do que um capricho. Ignora que
quanto mais se recusa a validar a insegurança da esposa, maior é o
braço-de-ferro e a probabilidade de as suas posições se extremarem.
Compete a cada casal criar as suas próprias regras,
neste caso no que toca às fronteiras com os Ex,
aceitando que aquilo que os une é (TEM DE SER)
mais importante do que as convenções sociais
e/ou as
fórmulas que outros casais aplicam.