Tenho-me referido algumas vezes ao estigma associado às perturbações do foro mental e às consequências que daí resultam mas hoje escolhi focar a atenção numa perturbação que é cada vez mais referida nos meios de comunicação –até em função do número cada vez maior de figuras públicas a quem é atribuído o diagnóstico – mas que está longe de ser compreendida. Antes de mais, importa referir que esta é uma perturbação que origina marcadas oscilações de humor e que implica que o paciente vivencie dois tipos de picos – DEPRESSÃO E MANIA.
Nas fases de DEPRESSÃO o paciente pode sentir:
Tristeza, desespero,
ideação suicida, culpa, problemas do sono, problemas de apetite, fatiga,
desinteresse pelas atividades do dia-a-dia, dificuldades de concentração,
irritabilidade, dor sem causa definida.
As fases de MANIA são caracterizadas por:
Euforia, otimismo extremo
e irrealista, discurso acelerado, pensamentos em catadupa, comportamento
agressivo, agitação, atividade física extrema, comportamentos de risco, gastos
excessivos, aumento do desejo sexual, diminuição da necessidade de sono,
incapacidade de manter a concentração, consumo de drogas ou álcool.
Quer nas fases de depressão, quer
nas fases de mania, a presença destes sintomas é responsável pelo empobrecimento do desempenho escolar ou
profissional. Em paralelo, há quase sempre deterioração das relações afetivas, mesmo no que diz respeito aos
familiares mais próximos.
Mas se é verdade que é muito
difícil lidar com esta sintomatologia sem haver um diagnóstico definido, não é
menos verdade que a maior parte destes pacientes enfrenta uma dificuldade
acrescida no momento em que o seu problema passa a ter um nome. Não é fácil
lidar com um rótulo como este e para muitos doentes a primeira reação é a
negação.
“Bipolar, eu? Nem pensar! Eu não sou maluco(a)”.
Quando somos confrontados com
situações que gerem muito sofrimento, é usual desenvolvermos mecanismos de defesa que baixem a nossa
ansiedade e a negação é um desses mecanismos. O problema é que da negação
resulta invariavelmente a recusa da toma de medicamentos que são cruciais para
que o paciente possa manter-se estável, bem como a rejeição da ajuda
psicoterapêutica.
Para quem está de fora, pode
parecer fácil. Afinal, é óbvio o sofrimento por que estes pacientes passam,
assim como são óbvios os benefícios que resultam de uma resposta ajustada ao
problema. Para quem nunca foi confrontado com este rótulo é fácil pensar “Mais
vale saber que é bipolar porque, pelo menos, assim já pode receber o tratamento
adequado”. Mas ninguém deseja ser confrontado com um rótulo que continua
envolto em tanto estigma. E ainda que esta não seja uma doença contagiosa, há e
continuará a haver quem olhe de lado para pessoas diagnosticadas com
perturbação bipolar.
Trabalhar com o paciente no
sentido de mostrar que o diagnóstico não
é uma condenação é o caminho para uma vida mais estável. Sim, é verdade que
a perturbação bipolar tem um carácter mais crónico do que a maior parte dos
casos de depressão. Mas também é verdade que os riscos associados à recusa de
tratamento são muitos e fazem com que a negação não compense.
Felizmente, depois do choque inicial,
a maior parte dos pacientes acaba por sentir-se aliviado.
Afinal, boa parte dos comportamentos
que até aí pareciam ilógicos e geravam um imenso transtorno em termos sociais e
familiares têm agora não apenas uma causa definida como uma resposta ajustada.
Há algo que pode ser feito para controlar os sintomas e isso gera alívio.
É também importante trabalhar com
as famílias destes pacientes, “ajudando-as a ajudar” quem recebe o diagnóstico.
É fundamental que os familiares e os amigos estejam lá para apoiar em vez de
julgar, para reafirmar tantas vezes quanto for necessário:
“Tu és a mesma pessoa de sempre
mas agora nós sabemos com que
problema estamos a lidar
e gostamos de ti”.