(Entrevista concedida à revista Happy Woman a propósito da reportagem “O Facebook estragou-me a vida”)
Devemos ter o nosso
companheiro adicionado como amigo no Facebook? Porquê?
Começando por salientar que o que é fundamental – no Facebook como
noutras áreas da conjugalidade – é que os membros do casal conversem
abertamente e criem as suas próprias regras, a resposta é sim. O FB é uma
plataforma de comunicação que nos coloca em linha direta com amigos com quem
convivemos diariamente mas também como perfeitos estranhos que rapidamente
podem aceder a fragmentos da nossa intimidade. Ser amigo do cônjuge no FB não
tem de equivaler a comportamentos de bisbilhotice mas antes à transparência e
honestidade que se espera que caracterize uma relação íntima. Quanto maior for
a clareza em torno do que cada um faz na rede social do momento, maior será com
certeza a segurança na relação. Pelo contrário, a ideia de esconder do parceiro
uma parte – nalguns casos significativa – das nossas conexões afetivas implica
abrir espaço para equívocos e inseguranças que podem dar origem a problemas
sérios.
Quais são os verdadeiros
motivos que podem «estragar» a relação face à utilização do Facebook? Ciúme?
Outros?…
Sendo, como referi antes, um meio de comunicação que facilita o
alargamento da nossa rede de contactos, o FB é uma porta aberta a relações
superficiais em que o retorno é quase sempre positivo e as desilusões/
frustrações são praticamente inexistentes. Do outro lado do ecrã está quase
sempre alguém que parece empatizar com os nossos desabafos, que nunca se queixa
e que, ainda por cima, tem a frescura que um relacionamento de longa data pode
não ter. Se a estes fatores adicionarmos o facto de ser relativamente fácil
aproveitar esta rede social para “rever” antigos colegas de escola ou até ex-namorado(a)s,
está criado o terreno fértil para o aparecimento de problemas. Esta realidade é
mais visível entre casais que já estavam de algum modo afastados mas pode
atingir casais aparentemente saudáveis. É precisamente porque é fácil
encantarmo-nos com o facilitismo destas reconexões que há que criar limites,
definir horários para a utilização do FB e continuar a olhar para dentro da
relação.
Depois claro que há dificuldades iniciais por que quase todos os
casais passam e que estão relacionadas com aquilo que se deve ou não fazer no
FB de modo a não ferir suscetibilidades. E aqui volta ser importante enfatizar
que o que funciona para uma pessoa pode não funcionar para outra pelo que só o
diálogo permitirá que cada casal construa as suas próprias regras. Para alguns
casais não há problema nenhum no facto de o marido colocar um “gosto” na
fotografia de uma amiga que se apresenta em biquíni, enquanto para outros isso
pode ser fonte de angústia e de insegurança.
A privacidade do casal é
comprometida no Facebook? Como evitar?
Vivemos numa era em que quase tudo aquilo que fazemos é público e
importa que interiorizemos que daqui para a frente não controlaremos tudo
aquilo que diga respeito à nossa privacidade. A verdade é que qualquer um dos
nossos amigos reais pode publicar uma fotografia nossa no FB, identificando-nos
mesmo que não tenhamos um perfil ativo. Ainda assim, a verdade é que o próprio
FB coloca à disposição de todos os utilizadores um vasto conjunto de
ferramentas que permite definir aquilo que é partilhável ou não e com quem. O
problema é que, tanto quanto me é dado a perceber, a maior parte das pessoas
desconhece estes recursos e acaba tantas vezes por diabolizar a própria rede
social. No que diz respeito às relações conjugais, compete a cada casal definir
aquilo que considera saudável partilhar com a respetiva rede de amigos.
Independentemente disso há regras que deveriam ser seguidas por todos os casais
e que têm a ver com a exposição da intimidade emocional. Não faz sentido, por
exemplo, usar o FB para publicar textos ou vídeos em tom de desabafo
denunciando alguma forma de mal-estar ou tensão entre o casal. A verdade é que
essa exposição abre espaço para equívocos, escalada da própria tensão e, claro,
para o aparecimento de falsos “ombros amigos”, mais voltados para a
possibilidade de viverem um affair.
Por que razão há tantas
mulheres (e também alguns homens) a espiarem o perfil do parceiro atual e, mais
«estranho» ainda, dos ex-companheiros?
A maior parte das pessoas é naturalmente curiosa e o FB alimenta
algum voyeurismo. No que diz respeito a espiar o parceiro, o comportamento é
sobretudo o reflexo da ausência de comunicação eficaz. A verdade é que quanto
maior for a insegurança de um dos membros do casal, maior a probabilidade de
ocorrência destes comportamentos e de surgimento de ciclos viciosos perigosos –
porque quem é espiado pode aperceber-se disso mesmo e, ao sentir-se atacado/
invadido, pode (erradamente) esconder ainda mais aquilo que faz no FB
agudizando a insegurança do outro.
A curiosidade em relação ao perfil do Ex pode estar relacionada
com o facto de ainda existirem mágoas e/ou ao facto de a pessoa ainda não ter
conseguido desvincular-se do antigo companheiro. Isso não significa que haja
qualquer intenção de retomar a relação – na maior parte dos casos não há – mas
significa, isso sim, que a gestão emocional ainda não está completa. Quando nos
desvinculamos, aquilo que os Ex fazem deixa de ser relevante.
Devemos ter familiares
adicionados? Até que ponto isso é positivo ou negativo?
As fronteiras que existem no FB devem assemelhar-se às que
aplicamos no convívio real. Se para a generalidade das pessoas não faz sentido
fechar a porta de casa a familiares, tão pouco será lógico escancarar à família
alargada a intimidade emocional ou sexual, por exemplo. Ora, no FB é possível
partilhar alguma informação com os nossos familiares, ocultando aquilo que não
nos parecer razoável dar a conhecer.
Partilhar conteúdos só
para grupos de amigos e outros não terem acesso é uma solução?
Como referi antes, essa é uma das funcionalidade que o FB oferece
e que me parece um recurso interessante. A criação de listas de amigos
permite-nos facilmente escolher com quem partilhar o quê, tal como fazemos na
vida real.
Devemos ter colegas de
trabalho adicionados? Porquê?
Nem todas as pessoas se sentem confortáveis com a ideia de
adicionar colegas de trabalho a uma rede social tão informal quanto o FB, no
entanto, a verdade é que o facto de adicionarmos alguém não implica que aquela
pessoa passe a aceder a conteúdos íntimos. No limite, é possível aceitar o
convite de alguém restringindo o acesso a todas as nossas publicações e dados
pessoais. Por outro lado, a verdade é que existem redes sociais, como o
Linkedin, que estão mais voltadas para as relações profissionais mas que não
têm, pelo menos em Portugal, o grau de adesão que o FB tem.
Como podemos delinear
limites de privacidade para não sermos prejudicados ou mal interpretados?
A resposta a esta pergunta é relativamente simples e está
relacionada com as escolhas que fazemos fora da Internet. Se no dia-a-dia não
nos imaginaríamos a partilhar fotografias das nossas férias com o nosso patrão,
por que o faríamos no FB, por exemplo? Se tivermos presente que as redes
sociais são uma extensão da nossa vida real, é relativamente fácil discernir
sobre os limites da privacidade. Por outro lado, é óbvio que devemos ter em
consideração que há assuntos que nem sequer faz sentido abordar por escrito, na
medida em que isso geraria uma probabilidade maior de ocorrência de equívocos,
e que portanto não devem ser expostos no FB. A dificuldade pode estar na
interiorização de que há questões que só podem ser resolvidas presencialmente,
com a pessoa certa, no momento certo e de forma assertiva. Deparo-me demasiadas
vezes com pessoas que estão habituadas a “discutir” assuntos sensíveis por SMS
ou via Messenger, ignorando que dessa escolha resultam níveis de tensão
significativamente superiores.
Se algumas pessoas que não
queremos adicionar no Facebook (por exemplo ex-namorados, etc…) nos enviarem um
pedido de amizade como podemos recusar sem sermos comprometidos?
A assertividade – capacidade para expormos as nossas opiniões de
forma clara e honesta sem desrespeitar os outros – é uma competência
fundamental nas relações afetivas e sociais. Cada pessoa deve ser capaz de
fazer as suas escolhas e de as assumir, ainda que isso frustre as expetativas
de outrem. A verdade é que é preciso pesar os prós e os contras e, de um modo
geral, corremos mais riscos quando dizemos sim querendo dizer não, isto é,
quando optamos pela passividade. Dizer algo como “Eu sei que me enviou um
pedido de amizade mas não aceitei porque na minha rede prefiro ter apenas as
pessoas mais próximas” não é ofensivo nem comprometedor.