Creio que já o afirmei por aqui um par de vezes: muitas das diferenças entre homens e mulheres de que se ouve falar não passam de estereotipagens propagandeadas por livros de autoajuda e reportagens com títulos “bombásticos” que procuram vender jornais e revistas, mais do que informar de modo rigoroso. Não fosse o facto de tantas vezes ser efetivamente mais fácil rotular algumas dificuldades de comunicação com recurso às famosas diferenças de género e muito provavelmente estas teorias já teriam deixado de vender o que quer que seja. O problema está no impacto que daí resulta para as nossas relações afetivas. Afinal, sempre que um marido se esquiva a uma conversa séria sobre as dificuldades da relação e a mulher releva o acontecimento com pensamentos do tipo “Os homens não sabem/ não gostam de falar sobre sentimentos”, há uma lacuna que começa a crescer e que, a prazo, pode revelar-se muito perigosa.
Aquando da minha participação na Feira do Livro tive oportunidade
de conversar com alguns leitores e uma das questões que surgiu tinha a ver,
precisamente, com a ideia preconcebida de que são as mulheres que, em larga
maioria, recorrem à ajuda da Psicoterapia e que são elas que estão mais
predispostas a falar sobre as suas emoções. Compreendo por que existem tantas
ideias feitas a respeito desta matéria e não atribuo aos meios de comunicação a
inteira responsabilidade sobre esta distorção da realidade. O que acontece é
que, dentro de cada casa, não raras vezes se instalam padrões de comunicação
que obedecem aos tais estereótipos, pelo menos numa análise superficial. O que
quero dizer é que QUANDO HÁ DISCUSSÕES
ACESAS é mais frequentemente o homem a retirar-se da discussão – calando-se
ou saindo, de facto, daquele lugar. Isso acontece principalmente porque os
homens sofrem de níveis de ativação fisiológica mais elevados nestes momentos
e, a partir de determinada altura, é mesmo fisicamente insuportável manter a
discussão. Depois, porque ainda há uma percentagem significativa de homens que
não foi educada no sentido de expressar abertamente as suas emoções. Ora, o que
é que acontece a alguém que não esteja habituado a estruturar pensamentos a
respeito dos afetos? Tenderá a exterioriza-los de forma muito mais atabalhoada,
o que, em momentos de tensão, é gerador de equívocos. É nestes ciclos perigosos que alguns homens acabam por sentir-se mais
seguros ficando calados. Afinal, as tentativas falhadas deixam marcas.
Como tive oportunidade de explicar na Feira do Livro, estas
diferenças não são transpostas para a sala de terapia na maior parte dos casos.
Pelo contrário, boa parte dos processos
de terapia de casal são marcados, logo a partir da primeira consulta, pelo
rompimento de padrões de comunicação disfuncionais. E não são raras as
vezes em que a mulher se surpreende com o tanto que o marido, afinal, tem para
dizer sobre aquilo que sente. Por que o faz apenas em sede de terapia? Porque
se sente seguro, porque ali há um profissional que funciona, acima de tudo,
como um facilitador a quem compete, dentre outras funções, impedir que a
escalada cresça, que os cônjuges se interrompam mutuamente ou ainda que as
críticas se sobreponham à exposição das necessidades de cada um.
Há muitos homens a pedir ajuda psicoterapêutica – quer a nível
individual, quer para salvar o seu casamento – mas isso não significa que eles
o façam tantas vezes quanto elas. Ainda
não. E sobretudo não significa que o façam tão cedo quanto elas o fazem.
Mas estas diferenças não podem ser atribuídas à genética. A verdade é que
continuamos, enquanto sociedade, a criar expetativas diferentes em relação a
meninos e meninas, continuamos a comportar-nos de maneira diferente em relação
ao mesmo comportamento em função do género do protagonista. E depois
convencemo-nos de que algumas dificuldades de comunicação nas relações entre
homens e mulheres se devem ao facto de termos necessidades diferentes.
Isso é um MITO!
Como é que as nossas expetativas alimentam esse mito?
Continuamos a esperar que os homens sejam uns heróis, sem medos.
Aos homens “compete” resolver problemas, fazer reparações, arranjar o que tiver
de ser arranjado. E depois espera-se que eles exponham as suas
vulnerabilidades, reconheçam que há problemas na relação e que sejam ELES a
pedir ajuda?
Esperamos que os homens sejam capazes de fazer reclamações e de
impor o respeito nem que, para isso, tenham de ser agressivos e dar um par de
berros. Às mulheres compete serem calmas e doces, pelo que qualquer
manifestação de raiva é sinónimo de descontrolo.
Qualquer mulher pode chorar em público, sem que daí advenha
qualquer juízo de valor. Pelo contrário, são frequentes os incentivos do tipo “Chora. Faz-te bem. Deita cá para fora”.
Mas a maior parte dos homens seria rotulado de fraco (ou pior) se o fizesse.
As mulheres são incentivadas a mostrar o afeto através dos gestos
– cumprimentam-se com abraços e beijinhos, mesmo no local de trabalho. O que é
que aconteceria se dois colegas homens se abraçassem? Seriam quase de certeza
rotulados de efeminados ou gays.
Em que é que homens e mulheres são idênticos?
Ambos são condicionados pelas expetativas sociais.
Sempre que o homem cai na tentação de mostrar que é o “chefe de
família”, a principal fonte de rendimento da sua família e a mulher tenta ir ao
encontro da ideia de que ela é a principal cuidadora, ambos arriscam voltar
costas aos seus sonhos e ambições.
Ambos buscam a autenticidade – poderem mostrar de forma livre
aquilo que sentem e aquilo de que precisam.