Para a maior parte das crianças a família é um porto de abrigo inquestionável e a união dos pais é vista como essencial ao seu bem-estar. De resto, como digo tantas vezes, a qualidade da relação conjugal é determinante para o desenvolvimento emocional das crianças. Quanto mais estável for essa relação, mais seguros tenderão a ser os filhos. Mais: essa relação conjugal é um modelo que pode condicionar as escolhas que os filhos farão mais tarde, na idade adulta.
Ainda que a maior parte das
pessoas não pare sistematicamente para fazer uma autoavaliação, quase todos os
casais reconhecem esta importância e, no dia-a-dia, fazem alguns esforços para
que, por exemplo, as crianças não sejam expostas a discussões acesas.
É precisamente porque a maior
parte dos pais tem consciência da importância desta estabilidade que, aquando
da possibilidade de um divórcio, o sofrimento e a preocupação com o bem-estar
dos filhos podem implicar a dificuldade em tomar decisões. E se é louvável que
um casal faça uma derradeira tentativa para salvar a sua relação em nome do
amor aos filhos recorrendo, por exemplo, à terapia conjugal, também é importante
manter a cabeça fria e assumir a rutura
quando já não há volta a dar – precisamente no sentido de o bem-estar dos
filhos ser salvaguardado.
Quererá isto dizer que o divórcio pode ser, em determinadas
circunstâncias, a melhor opção para as crianças?
E que circunstâncias são essas?
Quando é que é mais prudente desistir do casamento?
E o que é que acontece às crianças?
Que marcas podem resultar da separação dos pais?
Estas são perguntas que teimam em
fixar-se na cabeça de alguns pais, ao ponto de implicarem um bloqueio emocional, que os impede de
fazer o que quer que seja. Tenho-me deparado com muitos casos assim no
consultório. O pedido de ajuda é normalmente feito por um dos membros do casal
que, aflito, partilha o seu dilema: devo
separar-me?
Não é ao psicólogo que compete
dar resposta a esta questão, como é evidente. É a própria pessoa que, ao longo
do processo terapêutico, acaba por obter respostas objetivas às perguntas que a
atormentam permitindo que as decisões importantes possam ser tomadas com
segurança, ponderação e sentido de realidade.
Num processo terapêutico desta
natureza importa, antes de mais, ajudar aquela pessoa a desconstruir algumas
crenças irracionais – há tantos mitos a
propósito dos traumas provocados pelo divórcio! – e, claro, a olhar para a
relação conjugal e para os próprios sentimentos de forma emocionalmente
inteligente.
Devo ser clara e assumir que, na
maior parte das vezes, estes pedidos de ajuda feitos por um dos progenitores
acontecem numa fase em que o vínculo amoroso já foi desfeito. Nesses casos a
pessoa que pede ajuda já não se sente ligada ao cônjuge, já não ama e, lá no
fundo, sabe que não há volta a dar àquela relação. Mas sente-se atormentada por
sentimentos de culpa e procura, dia após dia, prolongar a relação conjugal para
continuar a proteger os filhos.
Infelizmente, o preço a pagar por
este prolongamento é, muitas vezes, demasiado alto. Porque as crianças
dependem, efetivamente, de um ambiente familiar estável e harmonioso. Ora, o
facto de dois adultos, que já não se amam, continuarem juntos não é sinal de
estabilidade ou de harmonia. Mesmo que não haja discussões intensas na presença
das crianças, mesmo que não haja menção à palavra “separação”, posso afirmar
com segurança que na maior parte das vezes, as crianças sabem mais do que os adultos supõem. E sofrem com isso.
Infelizmente, sempre que
permitimos que o pessimismo e a ansiedade tomem conta de nós, permitimos que os
pensamentos automáticos negativos se sobreponham à realidade e deixamos de
estar atentos aos reais problemas à nossa volta. É por isso que tantas vezes é
só depois de um dos membros do (ainda) casal dar início à terapia que é
possível identificar sinais claros do sofrimento das crianças expostas à
manutenção de um casamento que, em termos afetivos, já terminou.
As crianças são particularmente
sensíveis ao nosso estado emocional mas também são muito boas a fingir que está
tudo bem, imitando os adultos. Esta é, de resto, uma resposta habitual que mais
não é do que um mecanismo de defesa que lhes permite proteger os adultos.
Afinal, se os pais não são capazes de enfrentar o problema, as crianças podem
muito bem defender este segredo, com os respetivos riscos.
E há objetivamente riscos que se corre quando uma criança
sabe que o papá e a mamã já não se comportam
como namorados mas evitam falar abertamente
sobre o assunto. (Continua)