A minha experiência enquanto psicóloga e terapeuta familiar tem-me
permitido conhecer muitas famílias em crise. Como já referi, as crianças são
particularmente sensíveis ao estado emocional dos adultos e, não raras vezes,
apercebem-se do distanciamento entre os progenitores, guardando segredo a
respeito de um assunto que percebem que é delicado. Quando um pai ou uma mãe
pede a minha ajuda porque, apesar de já não se sentir ligado ao respetivo
cônjuge, não está a ser capaz de ir para a frente com o divórcio, preocupo-me
imediatamente em questioná-lo(a) sobre os riscos de os filhos estarem a par das
dificuldades. Na maioria dos casos sou confrontada com respostas do tipo “Tenho
quase a certeza de que as crianças ainda não se aperceberam de nada”, no
entanto, com a passagem do tempo são muitas vezes claros os indícios de que as crianças não só conhecem as dificuldades
como estarão a sofrer SOZINHAS.
Se inicialmente o progenitor aflito está demasiado centrado em
pensamentos automáticos negativos do tipo “Vou
destruir a minha família” ou “Os
meus filhos vão ficar marcados para sempre”, podem ser precisas algumas
sessões terapêuticas para que a desconstrução destas crenças irracionais dê
lugar a uma maior atenção sobre o comportamento das crianças. E desta
vigilância resultam observações importantes como quando um pai se apercebe de
que um dos filhos está aparentemente mais carente, mais dependente,
evidenciando até alguns retrocessos, como acontece, por exemplo, quando a criança deixa de conseguir
adormecer sozinha. Ou quando uma mãe se apercebe de uma conversa entre o
filho e um coleguinha de escola em que a criança deixa escapar uma verbalização
do tipo “Se calhar, eu vou mudar de casa…”.
Às vezes é preciso juntar algumas “peças” para que o “puzzle” fique completo.
Infelizmente, também existem casos em que só quando a criança
evidencia alterações sérias de comportamento é que os progenitores despertam
para a dura realidade. A questão é que sempre que os pais adiam uma separação
em nome do bem-estar dos filhos correm o risco de permitir que, com a passagem
do tempo, a relação se deteriore de forma dramática e, nessas situações, é
praticamente impossível que os filhos não se apercebam de nada. Quando os filhos “escolhem” ficar calados,
fazem-no para proteger os adultos, o que implica que tenham de gerir SOZINHOS o fantasma da separação dos
pais. Se atendermos ao facto de que, para as crianças, o que é realmente
dramático não é a separação mas um conjunto de perguntas que, neste caso, ficam
sem resposta, estão reunidas as condições para que os filhos atravessem um
período marcado por níveis de ansiedade elevadíssimos.
A este propósito recordo-me de uma criança que tive oportunidade
de acompanhar e que, em função de um quadro familiar de rutura, desenvolveu
alguns comportamentos de natureza obsessiva-compulsiva. Apesar de o pedido de
ajuda dos pais ter surgido em resposta a estes comportamentos, eles
desapareceram logo depois de os pais anunciarem a separação. Neste caso, como
em tantos outros a que tenho acedido, os problemas multiplicam-se quando, em
função na incapacidade dos adultos para tomarem decisões, as crianças são
empurradas para uma ruminação sem fim a propósito do que lhes vai acontecer
depois do divórcio.
As crianças sofrem com a separação dos pais. Nenhuma criança
deseja essa rutura. Mas, de um modo geral, os filhos adaptam-se relativamente
bem (e depressa) às rotinas pós-divórcio. Aquilo que pode ser verdadeiramente
angustiante para eles são os fantasmas que teimam em crescer enquanto os
adultos não tomam a iniciativa de conversar abertamente sobre o assunto. E se é
verdade que, na maior parte dos casos, o pai e a mãe não têm grandes certezas
de como é que a separação se vai processar, importa que os adultos interiorizem
que está nas suas mãos confortar as crianças com respostas que contribuam para
a sua segurança emocional. Por exemplo, uma das questões que, legitimamente,
mais atormenta uma criança diz respeito à possibilidade de deixar de ver um dos
progenitores. Ora, mesmo que os adultos ainda não saibam como é que vai ficar
definida a regulação das responsabilidades parentais, podem, logo no início do
processo de separação, ser claros e assegurar
que as crianças continuarão a conviver regularmente com os dois progenitores.
É absolutamente louvável que um casal faça o que está ao seu
alcance
para evitar que as crianças sejam expostas ao mundo violento dos
adultos.
Mas não é, de todo, saudável, que, na fase de pré rutura se esquivem
a uma (ou mais) conversa(s) que podem ser duras, sim,
mas que trarão a tão desejada tranquilidade.