A maior parte das pessoas, mais cedo ou mais tarde, escolhe ter filhos e, ainda que quase todas estejam conscientes de que esse passo muda para sempre as suas vidas, a verdade é que poucas são as que se assumem preparadas para o terramoto provocado pelo nascimento do primeiro filho. Podem ter ouvido falar das noites em branco, do imenso trabalho que dá cuidar de uma criança pequena ou da falta de tempo para tudo e mais alguma coisa.
Mas quase ninguém ousa falar das
mudanças provocadas na relação conjugal.
Talvez condicionados pela pressão
social, os casais com filhos pequenos esquivam-se quase sempre a assumir as
dificuldades sentidas a propósito da conjugação do papel conjugal e do papel
parental. Na prática esforçam-se por manter a aparência da família feliz,
competindo implicitamente com todos os outros casais que, aos seus olhos, são
tão bem-sucedidos nessa tarefa. Ignoram quase sempre que, tal como eles, os outros
casais também experimentam dificuldades, assim como ignoram a importância da
partilha sincera daquilo que sentem.
Mostra-me a experiência clínica
que boa parte dos casais com filhos pequenos evidencia cansaço, desgaste,
ausência de disponibilidade para o namoro e, em função de tudo isto, não raras
vezes há insatisfação sexual e diminuição do bem-estar geral.
A existência de amigos chegados
nem sempre implica que se fale abertamente sobre os problemas e isso traduz-se
quase sempre no isolamento e na sensação de frustração. É normalmente em sede
de terapia que estes casais se apercebem de que as suas dificuldades são
normais, que há muitos outros casais nas mesmas circunstâncias e que são
necessárias mudanças práticas para evitar que o casamento se desmorone.
Infelizmente, nalguns casos o pedido de ajuda acontece numa fase demasiado
tardia, quando pelo menos um dos membros do casal já desistiu da relação. Mas
em muitos outros casos a terapia de casal é o primeiro passo para que:
- Os membros do casal se deem conta de que, mais do que nunca, precisam
de reservar algum tempo por dia para que possam conversar sobre o "mundo
de cada um".
No final do dia nem sempre é
fácil encontrar motivação para ouvir as queixas e as lamentações do cônjuge. Há
banhos para dar, jantar por fazer, loiça para lavar e, sem darem por isso, os
casais com filhos pequenos esquecem-se facilmente da importância de se manterem
ligados. Não é preciso (nem seria viável) reservar uma ou duas horas para estas
atualizações diárias. Se existir o ritual diário de se partilhar os pontos
altos do dia de cada um, 15 ou 20 minutos podem ser suficientes.
- Os membros do casal monitorizem os seus gestos de afeto.
Quando há problemas sérios
motivados pelo distanciamento há quase sempre uma queixa comum: o sexo diminuiu
drasticamente. Mais: em muitos casos, também decresce a qualidade da intimidade
sexual. O sexo é descrito como mecanizado, desprovido da adrenalina de outrora
e muitas vezes concretizado como se se tratasse de uma obrigação. Como a intimidade
sexual depende em larga medida de outras áreas da vida a dois, é preciso olhar
atentamente para aquilo que (não) está a acontecer no resto do tempo. De um
modo geral, a chegada dos filhos implica alguma negligência para com as
demonstrações físicas de afeto. De
repente, todos os miminhos são canalizados para as crianças e os adultos
esquecem-se de namorar. E depois canalizam todas as suas expetativas para o
sexo. Como para uma percentagem significativa das pessoas o desejo sexual é
complexo e depende do relaxamento e da intimidade emocional, é fundamental que
se continue a investir na troca de gestos de afeto.
- Os membros do casal reconheçam a importância das saídas a dois.
Os filhos vêm quase sempre
reforçar os laços conjugais e, numa primeira fase, é natural que os pais não
queiram estar afastados deste novo amor. Mas tal como acontece no namoro, em
que há uma altura em que o casal deixa de viver em exclusivo um para o outro e
volta a socializar com outras pessoas, é fundamental que depois do nascimento
dos filhos continue a haver tempo (e espaço) para alimentar o amor romântico,
sob pena de essa lacuna criar espaço para o aparecimento de uma terceira
pessoa. Na verdade, uma relação conjugal também depende da existência de
rituais sem filhos - saídas mais ou menos românticas, a dois ou com outros
adultos - que permitam que os adultos continuem a olhar um para o outro e a
reconhecer-se como desejáveis e interessantes, para além do papel de pais.