Ao longo de mais de uma década de trabalho em Terapia Familiar e Psicoterapia tenho conhecido muitas pessoas que, durante períodos mais ou menos significativos, optaram por manter aquilo a que vulgarmente chamamos de vidas duplas. Não estou a falar de relações extraconjugais pontuais, de affairs que resultam de uma fraqueza ou da incapacidade para dar resposta às tensões do próprio relacionamento.
Refiro-me a
pessoas que mantêm,
às vezes
durante muitos anos,
dois
relacionamentos sem que deem mostras
de querer
interromper (REALMENTE)
qualquer uma
das relações.
POR QUE O
FAZEM?
O QUE LEVA UMA
PESSOA A MANTER UMA VIDA DUPLA?
A resposta até
pode variar de caso para caso mas, de um modo geral, há um elemento comum a
todas estas pessoas: vivem muito condicionadas pelas expetativas sociais e
familiares e sentem-se incapazes de fazer uma escolha que possa ser alvo de
juízos de valor.
É sobretudo a
vontade de continuar a agradar aos outros - pais, irmãos, filhos e família
alargada - que as leva a prolongar um casamento que já não as preenche. De
resto, em muitos destes casos o próprio casamento não resultou tanto de uma
escolha sentida mas sim da vontade de fazer o que era esperado e socialmente
valorizado.
É ou não uma
escolha egoísta?
Tenho alguma
dificuldade em fazer generalizações sobre este tema, já que, se é verdade que
tenho conhecido muitos casos em que a pessoa opta por manter uma vida dupla por
mero comodismo, porque recebe o melhor de dois mundos (a estabilidade e a
segurança do casamento e a novidade e a excitação da relação extraconjugal),
também é certo que me tenho cruzado com inúmeras pessoas que se mostraram incapazes
de pôr termo ao seu casamento por não conseguirem lidar com a tristeza do
cônjuge. Vivem, elas mesmas, em sofrimento por não terem a audácia de dizer
"Basta!" e lutarem pela sua felicidade. Para estas, a manutenção das
duas relações é, sobretudo, a felicidade possível.
Mas se numa e
noutra situações é evidente o medo a respeito do que a pessoa teria de
enfrentar caso tivesse de fazer uma escolha, há interrogações a respeito das
outras partes do triângulo amoroso que também merecem reflexão.
Qual é o papel
do cônjuge traído nesta história?
A experiência
mostra-me que em muitos destes casos (demasiados) há uma tentativa deliberada
de fechar os olhos ao problema, sobretudo pelo medo de perder o cônjuge.
Refiro-me naturalmente a pessoas cuja autoestima está fragilizada ao ponto de
perderem a vontade de reivindicar mais. Também aqui é o medo que está
subjacente à passividade que muitos rotulam de comodismo.
Mas desengane-se
quem considerar que todas as pessoas traídas são complacentes com a manutenção
desta vida dupla. Nalguns casos a relação extraconjugal é escondida com a
eficácia suficiente para que o cônjuge traído não se aperceba de nada.
E o que é que
acontece quando a situação é revelada?
Como estamos a
falar de relações antigas, são raros os casos em que a pessoa traída escolhe
pôr fim ao casamento. De um modo geral, são feitos esforços para manter a
relação, nomeadamente através da terapia de casal.
Não é mesmo nada
fácil ser-se confrontado com a mentira prolongada, com a quebra de confiança,
com a perda de quase tudo aquilo em que se acreditava. Alguns casais conseguem,
com esforço, reaproximar-se e reconstruir a relação. Para outros a revelação é
o princípio de uma vida nova.