Francisco é um estudante universitário com sintomas de um quadro depressivo que se arrasta há vários meses. Não sabe identificar aquilo que provocou este estado mas atribui um peso significativo ao facto de se sentir “desligado” do seu curso. Na prática, o desinteresse é generalizável a outras áreas da vida – sente-se perdido, desconectado, afastado de tudo e de todos. A única relação emocionalmente significativa que se lhe conhece é a relação com o pai, com quem vive. Sendo um jovem reservado e inseguro, não conseguiu criar laços com os colegas de faculdade. Vê-os como conhecidos com quem se cruza diariamente, gostaria de se sentir mais integrado mas tão pouco sabe exatamente o que fazer para atingir esse objetivo.
Leonor está casada há
cerca de 10 anos, tem três filhos e, na sequência da segunda gravidez (de
gémeos), optou por deixar de trabalhar. Vive longe da família de origem e
daqueles que chama os “amigos de uma vida inteira”. Há muito tempo que não se sente feliz – não tem vontade de sair, mas a
ideia de passar os dias em casa entre rotinas domésticas tão pouco lhe agrada;
sente-se muitas vezes irritada, sem paciência para a vivacidade das crianças ou
para as solicitações do marido. Reconhece que há muito tempo que não
convive com outros adultos que não sejam os familiares diretos e sente falta de
alguma coisa que não é capaz de identificar. “Estou bem onde não estou” é a
frase em que mais se revê atualmente. O médico de família diagnosticou-lhe uma
depressão e encaminhou-a para um processo psicoterapêutico.
Luís está desempregado há
6 meses. Refere-se ao último emprego como desgastante, especialmente pela
pressão a que estava sujeito e pela relação tensa que mantinha com a chefia
direta. Encarou a saída da empresa como positiva, na medida em que o recebimento
de uma indemnização permitir-lhe-ia estar algum tempo em casa e, de forma
ponderada, escolher o que fazer a seguir. Embora não se sinta pressionado pela
ausência de um rendimento mensal equivalente ao que auferia antes, foi desagradavelmente surpreendido por um
conjunto de pensamentos destrutivos poucas semanas depois de ter ficado
desempregado. Deu por si “a fazer balanços atrás de balanços”, que o
levaram a implementar mudanças tão radicais quanto infrutíferas em busca de
bem-estar. Tentou colocar um fim ao seu casamento mas entretanto recuou.
Sente-se perdido, deprimido.
Numa altura em que tanto se fala de desemprego, crise financeira
e, claro, do sofrimento das famílias, importa chamar a atenção para aquilo que surge
a par dos constrangimentos financeiros que resultam de uma situação de
desemprego:
O impacto destrutivo do isolamento social.
Aquilo com que me tenho confrontado cada vez mais frequentemente
em sede de terapia diz respeito a uma outra forma de sofrimento que não aquela
que vemos diariamente retratada nos noticiários.
É verdade que é fácil associar as palavras crise e depressão.
É verdade que é fácil perceber que numa casa onde comecem
a escassear os recursos financeiros aumentem os conflitos
familiares.
Mas, do mesmo modo que nem todas as pessoas se deprimem na
sequência de um diagnóstico de uma doença grave, não é obrigatório que todas as
pessoas se deprimam na sequência da diminuição dos recursos financeiros. Há
algo associado a muitas situações de desemprego que tem quase sempre um impacto
muito negativo na nossa saúde mental – o isolamento social. E, como fiz questão
de ilustrar nos exemplos acima, esse isolamento até pode ser “escolhido” pelo
próprio. Mas quando alguém escolhe afastar-se das rotinas e do convívio
associados a uma colocação profissional nem sempre está consciente da falta que
esses hábitos lhe farão.
Nem todas as pessoas que me procuram na sequência de se sentirem
deprimidas estão tão isoladas do ponto de vista social como as três a quem me
refiro neste texto. Mas uma parte muito significativa está. E ignora o peso
desse isolamento. É, muitas vezes, na sequência de esforços que são feitos para
contrariar esse isolamento que a luz
começa a surgir ao fundo do túnel. Às vezes as mudanças são relativamente
céleres – basta implementar alguns hábitos novos, dar início a um projeto de
voluntariado ou participar nalguma atividade nova para que o pessimismo comece
a desaparecer (mesmo que alguns problemas ainda não tenham solução à vista).
Noutros casos é preciso muito mais do que isso, é preciso readquirir
competências, sarar feridas, gerir ligações que entretanto se deterioraram ou
até identificar rumos novos.