A chegada de um bebé –
independentemente de se tratar de uma gravidez desejada e planeada – altera a
dinâmica de casal, introduzindo mudanças que nem sempre são bem geridas. E se é
verdade que a maior parte das pessoas que projetam ter filhos reconhecem a
necessidade de se adaptarem a uma nova realidade, marcada por desafios que vão
desde a privação do sono ao difícil
equilíbrio entre o papel conjugal e o papel parental, também é certo que a prática pode ultrapassar em larga medida
aquilo que os membros do casal foram capazes de antecipar em teoria. Para
algumas pessoas o encanto do nascimento de uma criança é mesmo enevoado pelas
dificuldades, criando uma sensação de frustração e de distanciamento.
De uma forma ou de outra, quase
todos os casais experimentam algumas dificuldades no relacionamento aquando
desta etapa. Alguns estudos apontam mesmo para a possibilidade de mais de 90 por cento dos casais passarem por um
período de maior discórdia e conflito ao longo do primeiro ano de vida do bebé.
Claro que nem todos os casos implicam a necessidade qualquer intervenção
especializada. Na maioria das vezes as competências e os afetos acabam por
sobressair e os membros do casal não só sobrevivem ao tumulto como veem a sua
relação fortificada. Mas também existem (muitos) casais que – por vergonha ou
por outro motivo qualquer – se esquivam a procurar ajuda terapêutica e que
acabam por não ser capazes de dar a volta, distanciando-se de modo
irreversível.
As dificuldades começam (ou podem
começar) desde logo a propósito do desequilíbrio nos cuidados prestados ao
bebé. Se estas tarefas estiverem entregues praticamente de modo exclusivo à
mãe, há o risco de, a páginas tantas, a mulher dedicar TODA a sua atenção ao
bebé, ao mesmo tempo que o marido, de um modo geral menos atento aos pormenores de uma relação, ignora os sinais de
alarme. À medida que o tempo passa e os momentos
de namoro propriamente dito se evaporam, é expectável que a relação sofra
algum desgaste (mesmo que “tecnicamente” os membros do casal se esforcem por
funcionar como uma equipa).
Por outro lado, se os membros do
casal não se habituarem relativamente cedo a delegar pontualmente os cuidados prestados
ao bebé a outras pessoas – solicitando a ajuda de amigos e da família alargada
– podem vir a sentir-se atropelados pela falta de tempo para alimentar a
relação. Se tivermos em consideração que a maior parte das mulheres opta por
amamentar, que isso implica estar disponível para o bebé de “x” em “x” horas e
que há bebés mais “fáceis” do que outros, é fácil perceber como é que um
simples jantar romântico pode acabar com cada um dos membros do casal a jantar
sozinho tendo de se revezar a tomar conta do bebé.
Na terapia de casais quando
pergunto quando é que a relação começou a deteriorar-se ouço muitas vezes a
resposta “Depois do nascimento do primeiro filho”. Para mim, enquanto
terapeuta, isso é normal. Mas para aquelas pessoas é quase sempre muito difícil
assumir que a vinda de uma criança (normalmente muito celebrada) possa estar associada
a problemas tão sérios.
É na medida em que as pessoas estiverem dispostas
a abdicar das suas expectativas irrealistas,
assumindo as respetivas fragilidades e desapontamentos,
que abrem espaço para a necessária intervenção.
Ser pai ou mãe é, para algumas
pessoas, um processo muito fácil. Há, como referi, bebés mais tranquilos, que
facilitam a vida aos pais de primeira viagem. Mas também há outros mais
“difíceis”, mais desafiantes. Há até aqueles que – porque choram
ininterruptamente, porque mamam de hora a hora ou porque são acometidos desde
cedo de algum problema de saúde - podem levar os membros do casal a um cansaço
extremo. Os casais com mais do que um filho descrevem na perfeição as
diferenças que existem entre bebés e o respetivo impacto para a qualidade da
relação. O mais importante a reter, contudo, não diz respeito às diferenças
entre bebés – porque isso ninguém controla. O mais importante é que cada
família se ajuste às mudanças inerentes à chegada de um primeiro filho identificando
as suas necessidades (em vez de se basear nas expectativas da pessoa “A” ou da
pessoa “B”) e munindo-se dos recursos de que dispõe.
A maior parte das pessoas que são
pais ou mães pela primeira vez não está preparada para tudo aquilo que o papel
parental acarreta e é preciso ser capaz de dizer É NORMAL.
É NORMAL que a
privação do sono deixe os membros do casal exaustos e impacientes.
É NORMAL que as
diferenças entre os membros do casal sejam agora exacerbadas pelo facto de
ambos estarem sistematicamente com as emoções à flor da pele.
É NORMAL que as
pequenas picardias de outrora constituam focos de conflito mais aceso.
É NORMAL que ambos se
sintam mais ansiosos em relação a uma série de tarefas novas.
É normal que haja algum
distanciamento. De um modo geral, esse afastamento entre os cônjuges é
passageiro e não implica qualquer intervenção clínica. Quando as coisas parecem fugir ao
controlo, há profissionais especializados em ajudar os membros do casal a
resgatar a harmonia na relação.