Imagine que o seu companheiro
começava, de um momento para o outro, a implicar consigo por tudo e por nada.
Num momento mostrar-se-ia irritado por você ter deixado a luz acesa; noutro
enfurecer-se-ia por ter ficado à sua espera mais uns minutos do que o costume.
Imagine que estas discussões se tornavam progressivamente mais frequentes,
começando a interferir com a sua paciência e levando-o(a) a interrogar-se sobre
o que realmente se estaria a passar. Agora imagine que confrontava o seu
cônjuge e que ele(a) lhe respondia “Não
se passa nada”. Sentir-se-ia seguro(a)? Claro que não.
Nem todos os casais que recorrem
à terapia conjugal são capazes de identificar a verdadeira fonte de mal-estar e
de tensão. Às vezes chegam até ao meu gabinete com um deles centrado na ideia
de que alguma coisa não está bem e com o outro a afirmar perentoriamente que
“Não se passa nada” e, claro, “Não havia necessidade de fazer terapia”.
Independentemente da terapia, uma coisa é certa, se não era usual existirem
tantas discussões por assuntos aparentemente triviais, e se, de repente, a irritabilidade passou a fazer parte do dia-a-dia do
casal, é pouco provável que não esteja a passar-se nada de novo.
Quer isto dizer que há um dos membros do casal que está a mentir?
NÃO.
A pessoa que está permanentemente
irritada pode não ter a noção do que está por detrás desta dinâmica diferente.
Pode até sentir-se mais irritadiça sem que isso implique que tenha o
discernimento para identificar o verdadeiro problema. Ou pelo menos para
atribuir ao problema a sua verdadeira dimensão. Por exemplo, o marido pode
estar a atravessar um período de maior pressão profissional e, sem querer,
estar a descarregar essa pressão na sua mulher. Porventura até já superou
problemas teoricamente mais sérios e isso pode ser suficientemente para que
agora minimize a questão, considerando as queixas da mulher como excessivas ou
desproporcionais.
Mas o cônjuge com humor irascível
também pode estar ciente daquilo que o atormenta e não estar a ser capaz de assumir o problema. Por exemplo, a mulher
pode sentir-se profundamente insatisfeita na sua relação, dando-se conta de que
os seus sentimentos mudaram, e, ao mesmo tempo, ter medo de uma rutura, acabando por descarregar a pressão
implicando com o marido “por tudo e por nada”. O medo de enfrentar o problema e
a consequente possibilidade de um rompimento pode levá-los a um desgaste
contínuo.
Quando a dinâmica da comunicação
conjugal se altera, fazendo aumentar a frequência dos conflitos sem que haja um
motivo perfeitamente identificável, é natural que pelo menos um dos membros do
casal comece a sentir-se inseguro. Essa insegurança pode levá-lo por múltiplos
caminhos:
UMA POSTURA MAIS DEFENSIVA
(à espera que o tumulto passe);
POSIÇÃO DE CONTRA-ATAQUE
(aumentando a escalada de agressividade);
COMPORTAMENTOS “À DETETIVE”
(bisbilhotices com o objetivo de identificar o problema);
POSTURA ASSERTIVA
(tentativa de questionar o outro sobre o verdadeiro foco de tensão).
A postura emocionalmente mais
inteligente e aquela que deveria dar lugar ao esclarecimento da situação (e
consequente busca de soluções) é o diálogo assertivo. Ainda que uma pessoa não
tenha noção dos próprios níveis de irritabilidade, deveria ser suficiente que o
cônjuge a confrontasse com as queixas associadas a essa nova dinâmica para que,
juntos, pudessem dar resposta ao problema. E isto é o que, felizmente, acaba
por acontecer na maior parte das famílias. A
terapia serve para dar resposta aos outros casos – àqueles que não são
ultrapassados através do diálogo. A partir do momento em que uma das
pessoas percebe que algo mudou e não consegue fazer-se ouvir, nem tão-pouco
consegue que o cônjuge fale abertamente sobre o que está por detrás da
irritabilidade constante, a ajuda clínica torna-se imprescindível, sob pena de as
discussões aparentemente triviais conduzirem a relação a um declínio
irreversível.