Um conhecido treinador de futebol dizia há uns anos que o desempenho de alguns profissionais dependia de elogios diários. Segundo ele, há quem precise de ouvir todos os dias “És o maior” para jogar bem. Lembrei-me deste caso a propósito da fronteira, nem sempre clara, entre autoestima e narcisismo.
Na minha profissão confronto-me
muitas vezes com pedidos de ajuda de quem se queixa por ter “fraca autoestima”
e, em função disso, não estar a ser capaz de obter os melhores resultados em
termos profissionais ou académicos. É relativamente fácil de perceber que o
medo nos pode bloquear. A ansiedade, a partir de certo nível, deixa de ser
protetora e pode mesmo comprometer de forma séria o nosso bem-estar. Basta
pensar que alguém que se sinta dominado por níveis muito elevados de ansiedade
está normalmente enredado numa série de pensamentos negativos que, mesmo que
não tenham, aos olhos de quem está de fora, “ponta por onde se pegue”, parecem
muito reais. A pessoa convence-se de que
não é capaz, de que não é suficientemente boa, de que nem vale a pena
tentar e, a menos que haja um qualquer choque de realidade, pode mesmo fazer
escolhas pouco inteligentes.
Mas se é verdade que não tenho
qualquer dificuldade em correlacionar a ansiedade com o desempenho escolar ou
profissional, também é certo que tenho muitas reservas a respeito de algumas teorias
que entretanto têm sido defendidas. Para alguns profissionais, psicólogos
incluídos, passou a vigorar a ideia de que o desempenho escolar das crianças
estaria absolutamente dependente dos níveis de autoestima, pelo que aos pais e
educadores competiria, mais do que qualquer outra coisa, dar retorno positivo,
nomeadamente através de elogios.
Como se houvesse alguma coisa de positivo nos elogios gratuitos!
Hoje sabemos que esse não só não
é o caminho como implica o risco de estarmos a alimentar pensamentos
narcisistas.
O narcisismo não é mais do que a
ideia de que se é superior aos outros, mesmo que não exista nenhuma prova nesse
sentido. Ora, quando um pai ou uma mãe elogiam o seu filho sem que este tenha
feito alguma coisa que merecesse um elogio genuíno, não estão a alimentar a sua
autoestima. Estão a alimentar o seu narcisismo. E que riscos correm ao fazê-lo?
A verdade é que, ainda que estejam a dar o seu melhor no sentido de criar uma
criança suficiente segura de si, podem produzir precisamente o efeito oposto.
As crianças (e os adultos, já
agora) precisam de mimo e de reforço positivo, sim. Mas precisam que os elogios sejam sinceros e que venham
na sequência de algo que tenha sido realmente bem feito. Na medida em que
um pai ou uma mãe mostre de forma gratuita o orgulho que sente no filho, sem
que este tenha feito o que quer que seja, estará a oferecer um presente
envenenado. O mais provável é que aquela criança se transforme num adulto que
precise de ouvir constantemente “És o maior”. E todos nós sabemos o que é que
sentimos em relação a pessoas autocentradas: tendemos a impacientar-nos e a
desligar-nos.
Alimentar o narcisismo de uma
criança (ou de um adulto) não tem nada a ver com reforçar a sua autoestima. No
primeiro caso, arriscamo-nos a criar adultos egoístas, centrados em si mesmos,
focados na fama ou no sucesso a qualquer preço e independentes de realizações
dignas. No segundo, sim, investimos na possibilidade de criar adultos
competitivos, motivados e trabalhadores.