Quase todas as pessoas que estejam numa relação já viveram a experiência de se irritarem profundamente com o respetivo parceiro. Refiro-me àqueles momentos em que pelo menos um dos membros do casal perde o controlo e exagera na reação a um acontecimento. Normalmente a pessoa que se descontrola culpa o cônjuge pelo seu próprio comportamento:
“Nem acredito que ele
me enervou ao ponto
de eu ter de gritar
daquela maneira à frente dos miúdos”.
“Ela não parou de
refilar até eu sair e bater com a porta”.
Como refiro SEMPRE em terapia de
casal, mais do que identificar culpados, importa que cada pessoa possa assumir
a vontade de se responsabilizar pelos seus erros.
Afinal, a única
pessoa que você
vai conseguir mudar
é…
VOCÊ MESMO.
Então e se não for eu que inicie
as discussões? – perguntar-me-á. Você pode não ser aquele que provoca mas se o
seu parceiro o enerva ao ponto de o fazer perder o controlo, é importante que
identifique o que é que não gosta na sua reação, o que é que gostaria de mudar.
Se se tornou frequente para si
e/ou para o seu parceiro explodir a propósito
de assuntos aparentemente banais, importa que ambos parem para analisar
aquilo que está a acontecer. Antes de mais, é provável que aquilo que o(s)
atormenta seja muito distinto dos assuntos que normalmente dão origem a estas
discussões.
AVALIAÇÃO FÍSICA
Tem dormido o
suficiente?
Tem-se alimentado
bem?
Anda mais cansado do
que é usual?
A fadiga, a falta de horas de
sono ou até a fome associada a algumas dietas podem ser responsáveis por níveis de irritabilidade maiores. Se
tivermos em consideração que vivemos numa sociedade em que muitas vezes nos
sentimos forçados a abdicar do nosso sono para que possamos desempenhar mil e
uma funções, torna-se mais fácil contextualizar alguns episódios de evidente
descontrolo emocional.
TRANSPARÊNCIA
Tem conseguido ser
claro com o seu
cônjuge a propósito
das suas necessidades?
É capaz de lhe
revelar, sem reservas,
aquilo que mais o
incomoda?
Saiba que é na medida em que for
capaz de se expor, aumentando os níveis de intimidade, mas arriscando também
uma discussão (saudável), que diminui a probabilidade de ambos serem
surpreendidos por uma reação explosiva. Pelo contrário, na medida em que pelo
menos um dos membros do casal for acumulando frustrações – até por temer a
reação do parceiro -, é quase certo que, mais cedo ou mais tarde, exceder-se-á
a propósito de um fait-divers.
AUTO-VIGILÂNCIA
Ninguém melhor do que você mesmo
para controlar o seu humor. Você conhece os seus limites. Sabe, como ninguém,
quando é que (não) está em condições para discutir um assunto sensível. Então,
o melhor caminho para evitar ter uma reação de que possa arrepender-se é mesmo retirar-se enquanto há tempo. Na
prática tratar-se-á de ser capaz de dizer algo do género
“Estou demasiado cansado e as
coisas não costumam correr bem quando conversamos sobre estes assuntos à noite…
é melhor falarmos amanhã”.
Claro que na maior
parte das vezes isto
NÃO É ASSIM TÃO
FÁCIL.
Estar atento ao seu humor implica
um olhar especial sobre os seus níveis de ansiedade. É a ansiedade que regula
as suas reações. Se você é o membro do casal que sente uma necessidade urgente
de resolver os assuntos, mostrando-se incapaz de esperar 10 minutos (quanto
mais uma noite inteira), o mais provável é que insista na importância de
discutir o assunto NO MOMENTO independentemente da forma como o seu cônjuge se
sinta. Do outro lado estará certamente um parceiro enraivecido pela sua
incapacidade de controlar a ansiedade. E assim se reúnem os ingredientes para
que uma discussão simples escale para mais um braço de ferro.
Ser capaz de controlar a própria
ansiedade implica, por exemplo, parar alguns minutos para organizar os próprios
pensamentos – eventualmente por escrito – evitando agir sem pensar.
CUIDADO COM AS “CERTEZAS
ABSOLUTAS”
Muitas pessoas são “apanhadas”
nas suas próprias presunções. Presumir não é mais do que tomar qualquer coisa
como verdadeira, mesmo que não haja certeza absoluta de que assim seja. Quando
você diz algo como “Tu não gostas de fazer programas a dois” a propósito de o
seu parceiro ter declinado um convite, está a fazer uma generalização perigosa,
uma crítica destrutiva que muito provavelmente será sentida como um ataque injusto e que pode ser geradora de uma
reação explosiva.
Um dos maiores rastilhos para que
um dos membros do casal tenha um comportamento explosivo é a sensação de
injustiça.
ASSERTIVIDADE, A SUA
MELHOR AMIGA
Já aqui escrevi inúmeras vezes
sobre a importância da assertividade. Ser capaz de controlar a sua raiva –
mesmo quando se sente injustamente atacado – e dizer aquilo que pensa, aquilo
que sente e/ou aquilo em que acredita de
forma ponderada é meio caminho para quebrar os ciclos viciosos que se
instalaram na sua relação.
Ser capaz de dizer algo como “Eu
sempre gostei de sair contigo. Agora estamos mais apertados em termos financeiros
e foi apenas por isso que preferi que ficássemos em casa” pode não ser fácil quando
se sente injustamente atacado mas é, de certeza, uma escolha mais inteligente
do que qualquer outra que implique uma postura defensiva, um contra-ataque.
SAIA (MESMO) ENQUANTO
HÁ TEMPO
Então e se, apesar de todos os
seus esforços, o seu cônjuge insistir no ataque? E se, mesmo depois de você
respirar fundo, ignorando as afirmações injustas de que foi alvo, e depois de
assumir que continua a gostar de sair a dois, ouvir algo como “Nãaaaao. Quando
é para gastar dinheiro na futebolada
com os amigos a conversa é outra.” - O que é que você deve fazer?
Ignorar!
Isso mesmo. Saia de cena – vá
passear o cão, fazer um chá ou outra coisa qualquer que lhe permita acalmar e
dizer “Eu não quero continuar esta discussão”. Volte disposto a retomar a
normalidade. O importante é transmitir, através de comportamentos autocontrolados, a seguinte mensagem: “Continuar
esta discussão é demasiado perigoso para a nossa relação e implicaria que ambos
saíssemos magoados.
QUEBRAR O CICLO VICIOSO
Às vezes os membros do casal
estão tão enredados em discussões marcadas por provocações e humilhações mútuas
que nem se dão conta dos espetáculos que
dão na presença dos filhos ou dos amigos. Criticam-se mutuamente, explodem
com muita facilidade e refugiam-se em argumentos do tipo “Estou sempre irritado
porque me sinto profundamente desrespeitado”.
Já ouviu dizer que “se um não
quiser, dois não discutem”? Pois é, se pelo menos um dos membros do casal for
capaz de fazer escolhas diferentes das habituais, interrompendo a escalada de
agressividade, aumenta a probabilidade de novos (e mais saudáveis)
comportamentos surgirem.
Se você tem filhos, pode ser mais
fácil quebrar o ciclo vicioso se se centrar na vontade de mudar para criar um
ambiente de maior segurança emocional às suas crianças. Alguns dos casais com
quem tenho trabalhado assumem (e cumprem) compromissos em nome de um amor comum
– aquele que sentem pelos filhos. Essa pode ser uma fonte de motivação
significativa, especialmente quando ambos interiorizam que um ataque ao cônjuge
é também um ataque às crianças.
Sabia que as discussões
violentas prejudicam
física e
emocionalmente
os seus filhos?
MEXA-SE
Leia (mais) sobre o assunto,
procure a ajuda da família e dos amigos, partilhe as suas preocupações e vá em
busca de respostas que impeçam que o ressentimento tome conta da sua relação. E
lembre-se de que o dia em que for capaz de pedir ajuda – seja de um médico, de
um psicólogo ou de um padre – é o dia em que estará a dar um passo no sentido
de quebrar um ciclo e abrir espaço para que você e o seu cônjuge se
reencontrem.