Cuidado com a resposta que dá à pergunta que dá título a este texto. Tenho-me cruzado com muitas pessoas que, absolutamente seguras de si, enchiam o peito para dizer que É IMPOSSÍVEL PERDOAR UMA TRAIÇÃO e que, depois, na hora H, que é como quem diz, depois de passarem pela experiência, engoliram todas as certezas. De resto, e como é fácil de perceber, trabalho diariamente com casais que me pedem ajuda na sequência de uma infidelidade, pelo que é natural que me confronte muitas e muitas vezes com este tipo de discurso.
É preciso que tenhamos a
humildade de reconhecer que as experiências que não vivemos podem apenas ser
analisadas de determinados ângulos. Podemos imaginar o que é passar por
determinada situação, podemos calcular a dor associada a um dado acontecimento,
podemos até presumir que, se isso nos acontecesse, nos comportaríamos de certa
maneira. Essas são racionalizações que fazemos desprovidos da intensidade
emocional associada a cada acontecimento.
Quem já passou pela experiência
de ter sido traído sabe o quão brutal é. Sabe que essa não é uma situação
geradora de grandes certezas. Pelo contrário. Como pode ter certezas do que
quer que seja alguém que acaba de sentir que o chão lhe foge? Como pode
escolher para onde vai alguém que acabe de perder a aposta onde colocou todas
as suas fichas?
Parte da angústia sentida pelos
homens e pelas mulheres que me pedem ajuda depois de terem sido traídos está
associada à incerteza de serem capazes de perdoar. A maior parte destas pessoas
chegam até mim precisamente porque desejam com todas as suas forças reconstruir
o seu casamento. O pedido de ajuda surge porque não estão a ser capazes de o
fazer sozinhos. Porque se sentem
divididos entre uma dor dilacerante, que parece afastá-los de forma
irremediável do cônjuge traidor, e a vontade de lutar pela relação em que
sempre acreditaram.
Quase todos me perguntam em
determinada fase do processo terapêutico se é possível perdoar uma traição. E
eu respondo que sim, é possível. E fundamento-me na minha experiência com
casais na mesma situação. Em todos os casais que têm sido capazes de ser
felizes depois de um acontecimento tão brutal como este. Mas a pergunta que (eu
sei) que a maior parte destas pessoas tem vontade de fazer não é esta. É outra:
Serei EU capaz de perdoar esta traição?
Elas não precisam de saber se é
possível perdoar. Elas precisam que lhes diga que elas vão ser capazes de o
fazer.
Mas serão todas as pessoas
capazes de perdoar uma traição? Será a vontade de continuar uma relação
condição suficiente para que os membros do casal deem a volta à situação?
Respondendo de forma simples: NÃO e NÃO.
Uma infidelidade representa para
a esmagadora maioria das pessoas que me pede ajuda, uma experiência traumática. Quase todas as pessoas são capazes de
ultrapassar esse trauma – umas mais rapidamente do que outras, claro. Mas
importa que eu seja honesta: nem todas as pessoas que me pedem ajuda são
capazes de perdoar uma traição e reconstruir o seu casamento.
Nalguns casos a pessoa que foi
traída até é capaz de perdoar – deixa de se sentir ressentida, enraivecida com
o cônjuge – mas assume-se incapaz de se conectar de novo. Já não há trauma, já
não há mágoa mas a ligação quebrou-se e a pessoa deixa de olhar para o cônjuge
numa perspetiva romântica.
Noutros casos o ressentimento
eterniza-se, o trauma é vivido como um ciclo interminável de tristeza, mágoa e
raiva que só é interrompido com a assunção de que a pessoa já não consegue ser
feliz naquela relação. Para algumas pessoas, a rutura acontece numa altura em
que, aparentemente, ainda há amor romântico mas a ligação não é suficiente para
que a pessoa se sinta capaz de ultrapassar este obstáculo.
E depois há todos os outros casos
“de sucesso”. Aqueles em que o trauma não só é ultrapassado como os membros do
casal têm, no processo terapêutico, a oportunidade de reconstruir –
literalmente – a sua relação. Às vezes leva (muito) tempo. Às vezes dói. Mas
compensa.