“A namorada do pai”. Até a expressão pode fazer confusão, apesar de todos reconhecermos que a família tradicional há muito tempo que tem vindo a dar lugar a novas formas de família.
Para Bárbara e Madalena, as duas filhas de Luís, a namorada do pai
seria provavelmente a personificação da madrasta má das histórias que ouviram
na infância. Só essa perspetiva explicará o facto de, ao longo de mais de cinco
anos de relação do casal, não só não terem permitido a criação de qualquer laço
afetivo com a madrasta como ainda terem investido tanta energia para acabar com
o romance. E de pouco valeu o reconhecimento de que esta fora a pessoa com quem
o pai foi mais feliz. No início as duas adolescentes mostraram-se renitentes em
estabelecer qualquer contacto com Sara, a namorada do pai. Se o pai a
convidasse para jantar, Bárbara e Madalena optavam por passar a noite em casa
da mãe. Se houvesse planos para um fim-de-semana romântico, uma e a outra eram
capazes de inundar o telemóvel de Luís com mensagens e telefonemas. À espera
que o tempo fizesse com que as filhas baixassem a guarda e acabassem por
permitir a aproximação da namorada, Luís preferiu não intervir. Mas a verdade é
que a passagem do tempo trouxe o agravamento do problema. Se passasse a noite
com o namorado, Sara tinha de retirar todos os seus objetos da casa de Luís “para
evitar aborrecimentos”. Os encontros eram planeados às escondidas e quase sempre
interrompidos por solicitações que implicavam que Luís tivesse de abandonar o
compromisso para acudir uma das filhas. As adolescentes deram lugar a duas
jovens adultas com a mesma determinação: impedir a integração da madrasta na
família. A escalada chegou ao ponto de Sara passar o seu aniversário sem usufruir
da companhia do namorado, que esteve duas horas (!) a trocar mensagens com a
filha mais nova, que na época estava a estudar fora do país.
Não sendo propriamente estranho
que os filhos resistam à chegada de namorados dos pais, aquilo que sobressai
neste caso é a passividade contínua do pai, que aparentemente escolheu abdicar da
própria felicidade em nome da vontade das filhas. Como acontece quase sempre
nestas circunstâncias, foi o medo que
lhe toldou o raciocínio. Foi por medo que fez tantas escolhas desajustadas,
dando azo a que quase nada nesta família pudesse ser rotulado de funcional.
Estas filhas não só desenvolveram uma relação disfuncional com o pai como
assumiram um poder que jamais lhes deveria ter sido dado.
Nenhum filho deve ter o poder
para decidir sobre a vida afetiva dos pais,
independentemente da sua idade.
A atribuição desse papel é, em
primeiro lugar, pouco saudável para os próprios filhos que, quer enquanto
crianças, quer enquanto adultos, devem estar absolutamente focados nas suas
próprias escolhas e no rumo que pretendem dar à sua vida. Esse é um direito de
qualquer criança que deve ser garantido por todos os pais. Por outro lado,
quando um pai ou uma mãe permite que os filhos condicionem a sua vida desta
forma, está a abdicar da sua própria felicidade.
Na medida em que o medo
(do abandono dos filhos)
tome conta das escolhas de um pai ou de uma mãe,
é tempo de pedir ajuda.
Neste caso, a Luís teria sido
útil tomar consciência das queixas da namorada mais cedo e, eventualmente,
recorrer à ajuda de um terapeuta familiar. Desse passo talvez resultasse a
oportunidade de aceder às emoções de todos os membros da família e, a partir
daí, repor as fronteiras e criar laços mais saudáveis. Luís teria a
possibilidade de mostrar às filhas que estaria sempre “lá” para elas,
independentemente de ter uma namorada. Teria a oportunidade de validar a
angústia de Sara. E teria a oportunidade de continuar numa relação que o
satisfazia plenamente, desde que conseguisse ser mais firme com as filhas. Mas
a oportunidade perdeu-se na medida em que o ressentimento e a raiva da namorada
atingiram níveis insustentáveis. Sara terminou a relação.