Como é que se escolhe aquilo a que cada um tem direito depois de uma separação? Será legítimo que um saia sem nada e o outro fique com tudo o que se acumulou ao longo do tempo em que foram uma família? Não me refiro aos “grandes” bens materiais, mas a tudo aquilo que transforma uma casa num lar. Os objetos de decoração, os quadros, as fotografias, os souvenirs das viagens. E em que posição ficam os filhos neste processo de decisão? Que impacto tem para as suas cabecinhas o esvaziamento – ainda que parcial – da casa da família?
Depois de assumida a decisão do
divórcio, há demasiados pormenores em que pensar. Entre as decisões a respeito
da guarda das crianças, pensão de alimentos e outras responsabilidades
parentais, a escolha de uma casa nova para pelo menos um dos membros do casal e
a divisão do património de maior valor material (casa, carros e depósitos
bancários), nem sempre há disponibilidade mental para fazer escolhas
emocionalmente inteligentes no que diga respeito ao recheio da casa.
O divórcio é um terramoto
capaz de pôr a cabeça em água
à pessoa mais ponderada do mundo.
Com tantas decisões
significativas em curso, pode ser tentador olhar para esta questão com frieza e
objetividade, optando, por exemplo, pela estratégia do “cada um fica com aquilo
que comprou”. Claro que para quem está de fora é fácil chegar à conclusão que
esse não é um critério muito rigoroso. Porque há compras que foram feitas a
dois. Porque nem sempre nos lembramos de quem pagou o quê. Porque a memória nos
atraiçoa. E, sobretudo, porque num período em que a comunicação está
completamente condicionada por emoções exaltadas, é fácil transformar esta
divisão num braço-de-ferro cheio de ruído e de desgaste.
É praticamente impossível fazer
uma divisão destes bens de forma objetiva e também não há fórmulas universais
que permitam dar resposta ao problema. Cada caso é único e, como acontece em
relação a outras matérias, é o bom senso que deve imperar. Enquanto terapeuta
familiar, procuro que os interesses das crianças sejam SEMPRE colocados em
primeiro lugar. O que é que isso quer dizer? Que procuro chamar a atenção dos
pais para a necessidade de não fazerem escolhas impulsivas. Que, mais do que
nunca, deixo claro que UMA CEDÊNCIA NÃO É UMA PERDA. Pelo contrário, ceder em
nome do bem-estar dos filhos é fazer uma escolha emocionalmente inteligente.
Porque nenhum quadro ou televisor LCD
pode valer mais do que
a segurança emocional de uma criança.
É claro que não é fácil (nem justo)
abdicar de tudo em nome de um ex-cônjuge ganancioso. É lógico que, numa altura
em que o próprio mundo parece virado do avesso e há familiares e amigos que
viram as costas não é de ânimo-leve que se abdica do investimento de uma vida
inteira. Mas há guerras para as quais, definitivamente, não vale a pena
contribuir.
Quando um pai ou uma mãe abdica
de alguns bens que estime, não está só a perder uma guerra contra o seu
adversário (o outro progenitor). Está provavelmente a garantir que os filhos
não sejam expostos a mais um braço-de-ferro. Mas também está a impedir que as
crianças sejam expostas à violência emocional que resulta do esventramento de
um lar. Há uma brutalidade a que as crianças são particularmente sensíveis que
resulta da destruição do tal lar. Uma
parede que, DE REPENTE, fica vazia pode ser bem mais violenta do que uma casa
nova onde se durma no chão. E a sensação de murro no estômago é ainda maior
na medida em que os adultos se transformem em guerreiros. Aqueles adultos são,
ou devem ser, acima de tudo, pais, cuidadores, protetores. São pessoas feridas,
têm direito a dar voz ao seu sofrimento. Mas têm o dever de não canalizar as
próprias dores para as crianças.
Quando duas pessoas que estão a
separar-se se assumem, em primeiro lugar, como pai e mãe, tudo se torna mais
fácil. Nalguns casos há um que sai com quase nada. Noutros há uma divisão que,
não sendo simétrica, pode implicar que, sem dramas, cada um fique com uma parte
do recheio. Ambos recebem como recompensa a sensação de estarem a fazer o que é
mais ajustado para as crianças.