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17.10.13

DIVISÃO DO RECHEIO DA CASA DEPOIS DO DIVÓRCIO


Como é que se escolhe aquilo a que cada um tem direito depois de uma separação? Será legítimo que um saia sem nada e o outro fique com tudo o que se acumulou ao longo do tempo em que foram uma família? Não me refiro aos “grandes” bens materiais, mas a tudo aquilo que transforma uma casa num lar. Os objetos de decoração, os quadros, as fotografias, os souvenirs das viagens. E em que posição ficam os filhos neste processo de decisão? Que impacto tem para as suas cabecinhas o esvaziamento – ainda que parcial – da casa da família?

Depois de assumida a decisão do divórcio, há demasiados pormenores em que pensar. Entre as decisões a respeito da guarda das crianças, pensão de alimentos e outras responsabilidades parentais, a escolha de uma casa nova para pelo menos um dos membros do casal e a divisão do património de maior valor material (casa, carros e depósitos bancários), nem sempre há disponibilidade mental para fazer escolhas emocionalmente inteligentes no que diga respeito ao recheio da casa.

O divórcio é um terramoto
capaz de pôr a cabeça em água
à pessoa mais ponderada do mundo.

Com tantas decisões significativas em curso, pode ser tentador olhar para esta questão com frieza e objetividade, optando, por exemplo, pela estratégia do “cada um fica com aquilo que comprou”. Claro que para quem está de fora é fácil chegar à conclusão que esse não é um critério muito rigoroso. Porque há compras que foram feitas a dois. Porque nem sempre nos lembramos de quem pagou o quê. Porque a memória nos atraiçoa. E, sobretudo, porque num período em que a comunicação está completamente condicionada por emoções exaltadas, é fácil transformar esta divisão num braço-de-ferro cheio de ruído e de desgaste.

É praticamente impossível fazer uma divisão destes bens de forma objetiva e também não há fórmulas universais que permitam dar resposta ao problema. Cada caso é único e, como acontece em relação a outras matérias, é o bom senso que deve imperar. Enquanto terapeuta familiar, procuro que os interesses das crianças sejam SEMPRE colocados em primeiro lugar. O que é que isso quer dizer? Que procuro chamar a atenção dos pais para a necessidade de não fazerem escolhas impulsivas. Que, mais do que nunca, deixo claro que UMA CEDÊNCIA NÃO É UMA PERDA. Pelo contrário, ceder em nome do bem-estar dos filhos é fazer uma escolha emocionalmente inteligente.

Porque nenhum quadro ou televisor LCD
pode valer mais do que
a segurança emocional de uma criança.

É claro que não é fácil (nem justo) abdicar de tudo em nome de um ex-cônjuge ganancioso. É lógico que, numa altura em que o próprio mundo parece virado do avesso e há familiares e amigos que viram as costas não é de ânimo-leve que se abdica do investimento de uma vida inteira. Mas há guerras para as quais, definitivamente, não vale a pena contribuir.

Quando um pai ou uma mãe abdica de alguns bens que estime, não está só a perder uma guerra contra o seu adversário (o outro progenitor). Está provavelmente a garantir que os filhos não sejam expostos a mais um braço-de-ferro. Mas também está a impedir que as crianças sejam expostas à violência emocional que resulta do esventramento de um lar. Há uma brutalidade a que as crianças são particularmente sensíveis que resulta da destruição do tal lar. Uma parede que, DE REPENTE, fica vazia pode ser bem mais violenta do que uma casa nova onde se durma no chão. E a sensação de murro no estômago é ainda maior na medida em que os adultos se transformem em guerreiros. Aqueles adultos são, ou devem ser, acima de tudo, pais, cuidadores, protetores. São pessoas feridas, têm direito a dar voz ao seu sofrimento. Mas têm o dever de não canalizar as próprias dores para as crianças.


Quando duas pessoas que estão a separar-se se assumem, em primeiro lugar, como pai e mãe, tudo se torna mais fácil. Nalguns casos há um que sai com quase nada. Noutros há uma divisão que, não sendo simétrica, pode implicar que, sem dramas, cada um fique com uma parte do recheio. Ambos recebem como recompensa a sensação de estarem a fazer o que é mais ajustado para as crianças.

Terapia Familiar e de Casal em Lisboa