Telefonou-me para marcar consulta
depois de (mais) uma crise de ansiedade. Tem pouco mais de 30 anos e, segundo
me conta, há mais de uma década que luta contra episódios depressivos e
ansiosos. Paradoxalmente, quase ninguém à sua volta lhe apontaria qualquer
vulnerabilidade. À exceção dos pais e da namorada, todos o veem como um homem
confiante e bem-sucedido. À primeira vista é um homem perfeito: tem um percurso
académico notável, está no topo da carreira, é admirado pelo grupo de pares,
está integrado em vários grupos onde é visto como sociável, pratica (muito)
desporto e tem, em função disso, um físico invejável. Busca a excelência em
tudo o que faz. E o problema está exatamente aí.
Quantas vezes ouvimos dizer que
não há pessoas perfeitas? Quantas vezes nos adaptamos às falhas daqueles de
quem gostamos precisamente por aceitarmos que a perfeição não existe? E quantas vezes desistimos de lutar por nos
contentarmos com o que é satisfatório em vez de corrermos em busca da
excelência?
Há pessoas que vivem
profundamente angustiadas porque gerem a sua vida sistematicamente em esforço,
dando literalmente o melhor de si no sentido de atingirem a perfeição. Ignoram
os clichés que dizem que errar é humano e fazem tudo o que estiver ao seu
alcance para serem as melhores. A melhor
mãe. O melhor pai. O melhor profissional. O melhor desportista. O melhor amigo.
Não descansam.
Não se permitem
falhar.
NUNCA.
Não dizem não àqueles de quem
gostam. Não faltam. Não toleram outra nota académica que não seja o 20/20.
Mesmo que deem um passo no
sentido de “arranjar tempo para descomprimir”, acabam enredadas em padrões de
comportamento rígidos que geram ansiedade. Se um perfecionista decidir praticar
natação, é capaz de treinar várias horas por dia todos os dias, dando o seu
melhor no sentido de fazer “tempos” cada vez mais curtos, mesmo que isso
comprometa as suas horas de sono. É por isso que estas pessoas se sentem permanentemente stressadas.
Uma análise mais superficial
levar-nos-á ao engano: é fácil vê-las como pessoas seguras, habituadas ao
sucesso. Na verdade, os elogios e os aplausos não são sentidos como reais
gratificações. São, antes, o mínimo que esperam receber, sob pena de se
sentirem profundamente frustradas. De resto, a antecipação de uma crítica menos
favorável pode levá-las a desistir de assumirem uma determinada função.
De um modo geral, falamos de
pessoas que são muito mais inseguras do
que mostram. Temem que os outros possam fazer uma avaliação negativa a seu
respeito, seja em que área da vida for. E sofrem tremendamente com isso.
Não há nada de errado em
buscarmos a excelência. É na medida em que diariamente tentarmos fazer melhor,
que o nosso desempenho e a nossa produtividade crescem. E isso é muito
saudável. No entanto, a partir do momento em que uma pessoa se convença de que
deve ser SEMPRE excelente, é provável que o seu bem-estar e a sua autoestima
fiquem seriamente comprometidos. Então, ainda que aos olhos dos outros seja
perfeita, é quase certo que aquela pessoa se sentirá infeliz. Ao meu gabinete
estes casos chegam muitas vezes sob a forma de perturbações do comportamento alimentar, crises de pânico, medo de
conduzir, e outros transtornos depressivos e ansiosos.
Há um efeito profundamente
libertador na aceitação das nossas imperfeições. Quando um perfecionista pede
ajuda psicológica, está a dar início ao desafio de aprender a lidar com as
próprias falhas. Isso implica conhecê-las, expô-las, aceitá-las e dar
oportunidade aos que o rodeiam para as aceitarem também. É como se uma mochila
muito pesada saísse dos seus ombros abrindo espaço à construção de laços
afetivos mais profundos e, consequentemente, à elevação do bem-estar e da
autoestima.