As estatísticas até podem dizer que um em cada dois casamentos acaba em divórcio, transformando uma rutura conjugal num acontecimento aparentemente banal. A verdade é que quem passa por isso sabe o quão difícil é lidar com a tristeza, a frustração e os sentimentos de culpa. Independentemente da forma como a relação termine, independentemente do tempo que durou, é quase sempre difícil assumir que aquele projeto de vida ruiu. E é ainda mais penoso quando à volta da pessoa que está a divorciar-se existem familiares e amigos que apontem o dedo.
Então mas a família e os amigos não deveriam estar lá para apoiar? –
perguntar-me-á o leitor. Deveriam! Mas nem todos têm a sorte de poder contar
com esse apoio. E se já é duro aceitar que a relação na qual se apostou todas
as fichas tenha chegado ao fim, eu posso testemunhar como terapeuta familiar
que a sensação de desamparo nestas circunstâncias é avassaladora.
Independentemente do apoio que
exista, é tentador identificar pelo menos um culpado. Será que ele a traiu? Ou
terá sido ela que teve um caso e deu cabo da família espetacular que tinha? O
diz-que-disse também faz parte de muitas das histórias de divórcio que vou
conhecendo em função do meu trabalho. E não ajuda ninguém.
Em terapia prefiro falar de responsabilidade em vez de culpa. Porque
isso faz toda a diferença. Quando
uma pessoa assume a responsabilidade pelo erro que cometeu, disponibiliza-se
para o emendar, comprometendo-se com algumas mudanças. Pelo contrário, quando
alguém se dá como culpado, a única coisa que consegue é um castigo. Mas se é
verdade que num processo de terapia conjugal é muito importante que cada um
seja capaz de assumir a sua quota de responsabilidade em relação à crise por
que estão a passar, num divórcio isso nem sempre é justo.
Há tempos recebi uma senhora no
meu gabinete que me dava conta dos sentimentos de culpa que a corroíam pelo
facto de o seu casamento ter chegado ao fim. A relação durou pouco mais de dez
anos e dela resultou um menino, que estava “condenado” a ser filho de pais
separados. Ela tinha lido algures na Internet que, quando uma relação acaba, a
culpa é sempre dos dois e sentia-se profundamente angustiada. Para mim estava
muito claro que a cabeça desta jovem mulher estava inundada de pensamentos
negativos e irracionais, que importava desconstruir. Em primeiro lugar, nenhuma
criança que seja filha de pais separados está condenada ao que quer que seja. De
resto, um divórcio funciona em muitos casos como uma oportunidade para que as
crianças deixem de estar expostas a discussões violentas e/ou a um ambiente
familiar marcado pelo vazio afetivo. Mas o mais interessante nesta história é
que tão pouco faria sentido que a responsabilidade da rutura fosse partilhada
pelos dois membros do casal. Como poderíamos falar em corresponsabilidade
depois de terem sido descobertas várias traições do marido – ocorridas antes e
depois do casamento? Neste caso, só há um responsável pelo divórcio.
Nem todas as relações chegam ao
fim na sequência de uma infidelidade. E, mesmo quando há uma traição, isso não
coloca a pessoa traída numa posição de “santinho”. Às vezes, a relação
extraconjugal é apenas a machadada final numa relação que já está moribunda
(não deixa de ser um erro). Mas tão-pouco faz sentido que generalizemos ao
ponto de considerar que a responsabilidade do divórcio é sempre das duas
partes. Não é. Às vezes há só um que erra.