O Facebook é já citado na maioria dos processos de divórcio. Acredita
que tenha contribuído para o aumento da infidelidade, ou ela sempre existiu e
as redes sociais simplesmente ajudaram a expô-la?
Quando comecei a trabalhar em terapia de
casal, há mais de doze anos, chegavam até ao meu consultório várias histórias
de infidelidade associadas à Internet. Naquele tempo, eram sobretudo as salas
de chat que vinham associadas aos relatos de traições (IRC). Já naquela altura
era frequente confrontar-me com pessoas que olhavam para a Internet como uma
coisa “do demo”, como se a Internet em geral e as salas de conversação e os
programas de Messenger em particular pudessem ser culpados de alguma coisa.
Mais tarde chegou o Hi5 e a conversa era basicamente a mesma. Com o Facebook, o
discurso não mudou. Pelo contrário, tornou-se mais frequente. Aquilo com que me
deparo em contexto clínico não é o aumento dos casos de traições, mas sim o
aumento de situações em que a traição foi descoberta através do Facebook. Há
muitos casos de traições que começaram com uma aproximação ao Facebook mas
noutros casos as pessoas até já se conheciam de outras andanças e o Facebook
acabou por funcionar “apenas” como mais um facilitador. Porque é isso que esta
rede social é: um facilitador. As pessoas já não têm de se esforçar muito para
estarem próximas de ex-colegas, ex-namorados, ex-vizinhos, etc. E, na rede, é
muito mais fácil arriscar uma frase mais atrevida ou até mesmo um convite para
um copo sem ter medo da rejeição. Por outro lado, as pessoas também se expõem
mais facilmente, escrevem algumas coisas que não diriam cara a cara… Tudo isso
faz com que muitas vezes se sintam afetivamente mais próximas de pessoas com
quem não convivem presencialmente. Daí até que haja alguma ligação emocional ou
até alguma atração pode ser um pequeno passo. Resumidamente, eu diria que a
infidelidade sempre existiu, sim. Mas hoje é ainda mais fácil fazê-lo graças ao
Facebook.
Não acha que o Facebook, Twitter, Google +, etc, nos transformou a
todos em detetives privados? Este enorme “big Brother” não torna as relações
mais conflituosas?
Nem todos somos potenciais detetives privados.
Tenho conhecido muitas pessoas que não ligam nenhuma àquilo que o cônjuge faz
no Facebook. É verdade que também conheço muitas que, não sendo assumidamente
ciumentas, passaram a adotar este tipo de comportamentos (“à detetive”) depois
de se sentirem com a pulga atrás da orelha. De qualquer modo, e
independentemente dos conflitos que possam resultar da má utilização do
Facebook, a bisbilhotice acarreta outros problemas sérios. Para começar, é a
própria pessoa que pode enveredar por um conjunto de comportamentos que em nada
a dignificam e que são potencialmente destruidores da autoestima. Por outro
lado, a própria relação entra em espiral quando se dá início a este tipo de “caça”.
Porque a páginas tantas perde-se a noção do direito à privacidade e da
importância da comunicação clara e assertiva e transforma-se a confiança na
caça às provas. Ora, nenhuma relação saudável é sustentada num conjunto de
provas.
Pode levar a comportamentos psicótico/obsessivos?
Os comportamentos obsessivos (psicóticos é
outra coisa) podem surgir, sim. É relativamente fácil para algumas pessoas
perderem a noção do que é justo quando se sentem alarmadas com a possibilidade
de o parceiro estar a “prevaricar” no Facebook. Como temem que o confronto
direto tenha como resposta a negação, preferem investigar por conta própria. E,
como referi antes, é fácil perder o controlo. Tenho conhecido vários casos
assim. A pessoa parte de uma desconfiança qualquer e depois não é capaz de
parar. Vive num estado de alerta constante, com o coração aos pulos, e só
sossega quando invade a conta do outro e “verifica” que está tudo bem. O mais
ridículo disto tudo é que, precisamente porque não há uma comunicação saudável,
não raras vezes a pessoa que está insegura lança alguns comentários em tom
irónico, acabando por denunciar as suas pesquisas. Nalguns casos, a pessoa vive
“consolada” com aquilo que vai encontrando e desconhece, por exemplo, que o
parceiro tem uma segunda conta de Facebook, através da qual, de facto, trai.
Também após a separação/divórcio, não será mais difícil “desligar” se
continuamos a saber todos os passos do nosso ex? Mesmo que o tenhamos excluído
de “amigo” há os amigos comuns que publicam fotografias com ele em eventos, com
outras mulheres, etc. Na sua prática clínica põem-lhe este problema? O que
aconselha que se faça?
Na sequência de uma separação nem sempre é
possível que as pessoas se desliguem totalmente. É o que acontece quando há
filhos, por exemplo. Claro que manter o contacto em nome das responsabilidades
parentais é muito diferente de dar de caras com uma fotografia do ex numa
discoteca ou noutro evento qualquer. Às vezes é duro, em particular quando uma
das pessoas ainda se sente ligada e é confrontada com informações que indiciem
que o outro está a seguir a sua vida. Cada caso é único e nalgumas situações
pode fazer sentido que a pessoa se afaste por uns tempos do Facebook mas não
posso transformar essa sugestão numa regra universal. O que de certeza não é um
hábito saudável é que a pessoa procure ativamente saber como é que a vida do ex
está a evoluir – porque essa escolha pode dificultar o processo de
desvinculação.
Mas existem também certamente pontos positivos. O Facebook, por
exemplo, serve também para namorar, postando músicas um ao outro, conversando
no chat, criando um elo empático entre os dois ao exporem a sua relação perante
o mundo. Sendo assim, o que aconselha a um casal? Ter ou não ter contas em
redes sociais? É possível os membros de um casal terem conta numa rede social
sem surgirem conflitos? Sugere alguma estratégia?
É perfeitamente possível que duas
pessoas tenham conta no Facebook sem que daí resultem conflitos para a sua
relação. Basta que a comunicação seja fluída e que haja regras muito bem
definidas a respeito do que se espera que o outro faça. Tem de haver limites
mas esses limites são definidos a dois. Dou um exemplo: nem todas as pessoas
casadas usam aliança. Há quem não use e não se sinta propriamente inseguro pelo
facto de o parceiro sair diariamente sem aliança. Mas as coisas mudam de figura
se uma pessoa der conta que o marido tira a aliança do dedo quando sai à noite,
por exemplo. Ora, com o Facebook é a mesma coisa: nem todas as pessoas assumem
que estão numa relação mas há quem prefira fazê-lo. Se uma pessoa alterar as
configurações de privacidade à revelia do cônjuge só para ocultar a alguns
amigos na rede social o seu estado civil, está provavelmente a querer meter-se
em sarilhos. Pelo menos, na medida em que o cônjuge se aperceba disso. É
preciso que as pessoas saibam com o que é que podem contar. E a confiança
constrói-se com comunicação clara e um vínculo seguro, mais do que com a
vigilância apertada.