Por um lado, ouvimos dizer que a mentira é venenosa e que, de todos os caminhos, o da honestidade é o mais vantajoso, aquele que protege os interesses das relações. Mas, por outro, deparamo-nos muitas vezes com os frutos de uma crítica que julgávamos construtiva e desmoralizamos – a pessoa que pensámos que poderia aprender alguma coisa com a nossa chamada de atenção e, quem sabe, até pudesse agradecer-nos, afinal amua, faz cara feia ou resmunga. E então retraímo-nos. Deixamos de criticar. Preferimos engolir, só para evitar tensões.
Afinal, a crítica é necessária às
relações? Ou é perigosa? Haverá mesmo formas mais construtivas de criticar?
Será
que todos nós sabemos
COMO
criticar?
E
– porventura mais importante – saberemos
SER
CRITICADOS?
Não há volta a dar: receber uma
crítica, uma chamada de atenção, um reparo, em suma, um feedback negativo, é
MAU. Dói. E às vezes faz mossa.
Ninguém gosta. Uns gerem melhor do que outros. Uns disfarçam melhor do que
outros. Mas, independentemente do poder de encaixe de cada um, não há dúvidas
de que a FORMA como uma crítica é feita pode determinar se ela será acolhida ou
não. E não vale a pena negar: quando nos sentimos REALMENTE desagradados, o
mais provável é que permitamos que as emoções tomem conta de nós e acabemos por
fazer uma crítica destrutiva. Até podemos respirar fundo e usar o tom de voz
mais pacífico do mundo mas se o resultado final for qualquer coisa como “Não
acredito que voltaste a chegar atrasado e que me deixaste pendurada… há alguma coisa
que consigas fazer bem?”, não devemos esperar que a outra pessoa aceite a
chamada de atenção com toda a calma do mundo, assumindo a responsabilidade pelo
erro cometido.
Todas
as pessoas perdem a cabeça num dado momento. Entre as queixas do
chefe, os gritos das crianças e as horas de sono em falta, é absolutamente
normal que, de vez em quando, a tampa salte e não consigamos estruturar as manifestações
de desagrado de forma emocionalmente inteligente. Nessa altura, é natural que
da nossa boca saiam coisas como “É SEMPRE a mesma coisa!”. Mas isso só deve
acontecer pontualmente. Se for a regra, alguém pode estar metido em sarilhos.
Porque ninguém aguenta estar permanentemente a ser criticado desta forma,
porque, na prática, a pessoa que é criticada acaba por não prestar a devida
atenção às chamadas de atenção, porque a relação tende a deteriorar-se.
Se nos sentirmos profundamente
desagradados com um determinado comportamento da pessoa de quem gostamos, é
desejável que expressemos o nosso mal-estar. Guardar esse mal-estar para evitar
discussões produzirá o efeito “panela-de-pressão”: é só uma questão de tempo
até rebentar. E quando uma pessoa acumula, acumula, acumula… acaba por
verbalizar o seu desagrado da forma mais explosiva (e, portanto, destrutiva)
possível.
Mas também não vale a pena encarar a
personagem “Eu-sou-super-frontal-e-digo-sempre-o-que-penso”. O seu companheiro
tem um comportamento que lhe desagrada seriamente? Daqueles que mexe consigo?
Então acalme-se. Sim, acalme-se ANTES de se queixar do que quer que seja. Você
não sabe mas a ativação fisiológica pode tomar conta de si e, mesmo que você
comece a sua crítica de mansinho, com um tom de voz suave, bastará que o seu
interlocutor não reaja da forma como você gostaria para que o circo pegue fogo.
E o circo pegará fogo sempre que você ignorar os sinais que o seu corpo emite.
Se a sua pulsação estiver acelerada, se os pensamentos negativos – do tipo “Ele
é um egoísta”, “Não acredito que voltou a fazer-me isto” – surgirem em
catadupa, se não conseguir manter as duas pernas quietas (vulgo perna/pé a
abanar), o mais certo é que você não esteja em condições de verbalizar a sua
crítica. Há uma probabilidade demasiado elevada de as coisas fugirem ao seu
controlo e acabar a dizer o que não deve. Criticar
não é atacar!
Uma crítica saudável deve implicar que
você se coloque na posição da outra pessoa, empatize com ela, com as suas
limitações. E isso só é possível se colocar de lado a raiva.
Mas não se iluda: você pode fazer um
treino intenso e transformar-se na pessoa mais assertiva e zen do mundo e,
ainda assim, esbarrar em alguém que pura e simplesmente não lida bem com a
crítica, independentemente da forma como ela seja apresentada. Há pessoas
assim, com pouca ou nenhuma capacidade para lidar com o insucesso. Algumas
afundam-se em sentimentos de culpa e numa agonia tal que quase fazem com que
você se sinta culpado por estar a chamar-lhes a atenção. Outras assumem uma
postura defensiva, empurrando a responsabilidade para cima de si, de outras
pessoas, da meteorologia… mas a última coisa que farão é dizer-lhe “tens razão…
vou tentar melhorar”. Falta-lhes autoestima, segurança, responsabilidade. E quem se enterra é você.
Nenhuma relação evolui se quem estiver
mal não for capaz de dar voz à sua insatisfação. E todos – repito, TODOS –
somos capazes de identificar algo que nos desagrada. Mas a relação tão pouco
cresce se, do outro lado, houver resistência à mudança, incapacidade para
assumir os erros.
Não sendo fácil lidar com uma crítica,
é essencial que cada um de nós desenvolva o tal poder de encaixe. Colocando-se
na pele da outra pessoa, procurando sentir as suas dores e, claro, fazendo o
que estiver o nosso alcance para suprir as necessidades que estão em falta.
Olhe para o seu comportamento. Olhe para as chamadas de atenção que lhe têm
sido feitas. É daqueles que aceita as críticas e vai à luta? Ou ignora-as,
colocando a sua relação em risco?